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Transmontanos lutaram contra eucaliptos e a terra não mais ardeu

A história que de seguida lhe vamos contar relata um acontecimento de há 28 anos, quando o povo transmontano de Valpaços uniu esforços para lutar contra a plantação de eucaliptos. A luta foi “dura”, dizem, mas “valeu a pena”. A terra nunca mais foi tomada pelo fogo numa região que, diz o povo do alto da sua sabedoria popular, vive “oito meses de inverno e quatro de inferno”.

Vem esta história à recordação por via da polémica que se instalou em Portugal por causa dos eucaliptos. Para uns, ardem com maior facilidade e dão força aos incêndios. Outros têm ideia contrária.

A verdade é que a 31 de março de 1989, a rebate do sino, 800 pessoas uniram-se na Veiga do Lila, em Valpaços, par o protesto que ainda hoje é conhecida pelas gentes transmontanas como a “guerra no vale do Lila”.

“Centenas de pessoas juntaram-se para destruir 200 hectares de eucaliptal, com medo que as árvores lhes roubassem a água e trouxessem o fogo. A polícia carregou sobre a população, mas o povo não se demoveu”, explica à revista Notícias Magazine, que conta a história.

“Oliveiras sim, eucaliptos não”

Maria João Sousa, que na altura tinha 15 anos, não tem dúvidas em garantir que se tratou do “25 de Abril” das gentes de Valpaços. E a ação de protesto ambiental contou, na altura, com povo de Vila Real, Régua e Mirandela, além de ecologistas que viajaram desde Bragança e Porto também.

A “guerra” passava por destruir 200 hectares de eucalipto, que uma empresa de celulose plantava na quinta do Ermeiro, tida como a maior propiedade agrícola da região, na altura.

“Naquele dia ninguém sentia medo nenhum. Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos avançar”, diz Maria João Sousa.

A ideia para a região seria plantar 200 hectares de eucaliptal em vez de oliveiras. Tudo para favorecer a indústria do papel. Mas o povo não queria. E fez-se ouvir.

“Nessa altura o ministério da agricultura defendia com unhas e dentes a plantação de eucalipto”, explica Álvaro Barreto, em declarações citadas pela Notícias Magazine, salientando: “Comecei a ler coisas e percebi que o eucalipto nos traria grandes problemas.”

E acrescenta, lembrando a rentabilidade que resultaria para a indústria de celulose: “A tese dominante dos governos de Cavaco Silva era que urgia substituir o minifúndio e a agricultura de subsistência por monoculturas mais rentáveis, era preciso rentabilizar a floresta em grande escala.”

“Numa região onde a água é tudo menos abundante, teríamos [por causa do eucalipto] problemas de viabilidade das outras culturas”, sublinha António Morais.

Sobre os eucaliptos, António Morais lembra ainda que “são árvores altamente combustíveis e que atingem uma altura muito grande”.

“Lentamente começou a formar-se um consenso de que o lucro fácil do eucalipto seria a médio prazo a nossa desgraça. Não queríamos deixar secar a nossa terra. E não queríamos arder aqui todos. Tínhamos de destruir aquele eucaliptal, custasse o que custasse.”

João Sousa, que na altura, era presidente da Junta de Veiga do Lila olha com agradado para a floresta da região.

“Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de 30 anos que não arde. Se o povo não se tem unido hoje estávamos a viver a mesma desgraça que vimos por esse país fora”, diz João de Sousa.

E argumenta: “E há uma coisa que o meu povo sabe – se temos deixado ficar os eucaliptos, também hoje choraríamos pelos nossos.”

Sócrates ao lado do povo

Naquele tempo, as gentes da terra pediram ajuda para a tal “guerra” e foram ouvidos não apenas pelos ambientalistas mas também pelo PCP, pelos Os Verdes e por um jovem deputado socialista chamado José Sócrates.

Depois da confusão com o povo a arrancar as plantas e as autoridades a tentarem manter a ordem, a verdade é que a empresa que queria plantar eucaliptos desistiu da ideia.

Hoje, a terra tem  nogueiras, amendoeiras, oliveiras e pinho e dizem que naquele dia o povo salvou Trás-os-Montes da tragédia que em 2017 Portugal vive.

 

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