Uma grande fatia dos eleitores nacionais exigia há muito tempo ao Governo que tivesse coragem e que tomasse as medidas que são verdadeiramente necessárias. Esse dia esteve quase para chegar, só faltou o “quase”. Não acredita? Se não acredita é porque ainda não ouviu falar na nova medida que esteve muito perto de ser aprovada: o Ministério da Agricultura preparava-se para aprovar um diploma legal sobre animais de companhia que limitava o número de cães e gatos permitidos em apartamentos. Mais concretamente dois cães ou quatro gatos. Contudo, se tivesse ambos não poderia ter mais de quatro animais por fogo (a não ser que tivesse um quintal ou uma quinta). Voltando ao início pergunto-lhe a si, caro leitor: havia medida mais urgente do que esta?
Antes de mais vamos explicitar esta proposta. É importante referir que a lei que está actualmente em vigor já proíbe a existência de mais de três cães ou quatro gatos por apartamento, contudo esta proposta de revisão podia introduzir grandes alterações à actual situação. Desde logo porque quem hoje em dia quiser apresentar queixa por um vizinho ter mais animais do que o estabelecido deve invocar problemas sanitários ou relacionados com ruído. Já esta actualização do diploma seria uma lei muito mais forte dado que bastaria haver uma queixa para a respectiva câmara municipal ter o poder e o dever de retirar do apartamento os animais em excesso, independentemente dos incómodos que eles causassem ou não à vizinhança.
Como sempre existiam algumas excepções à regra. Neste caso a excepção eram os detentores de raças nacionais puras registadas, que poderiam alojar até dez animais nos prédios rústicos ou mistos para melhorarem o património genético. Ou seja, um criador de animais poderia possuir dez cães desde que assegurasse a saúde pública e o bem-estar dos animais, contudo qualquer outra pessoa que gosta de animais e reunisse as mesmas condições estava proibido de o fazer. Isto é discriminação pura. Tanto ao nível das raças de animais como entre os simples amantes de animais e os criadores profissionais de animais.
Mas o mais grave entre tudo isto foi o facto de a Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais afirmar não ter sido sequer ouvida a este respeito. Portanto o Governo pretendia rever uma lei e nem sequer se dava ao trabalho de ouvir as entidades competentes da área em questão. Só mesmo neste país, sinceramente.
Eu pessoalmente até podia concordar com esta lei desde que a limitação dos animais por habitação fosse imposta tendo por base os metros quadrados de cada habitação. Aí faria sentido dado que quanto menor fosse a habitação menos animais poderia possuir. E não seria uma medida polémica, pois por muito boa vontade que tenhamos acho que todos compreenderiam que o que estava em causa era o bem-estar e a saúde dos animais. Mas nestes contornos só podia criticar esta medida. Na teoria a ideia era boa, contudo na prática a sua concretização só poderia ser criticada e repudiada por tudo e todos e principalmente pelos amantes e possuíres de animais.
Dizia um dos especialistas nesta matéria que “as novas restrições não se aplicam a quem já tiver um número superior de animais registados ao abrigo da anterior lei”. Contudo também existem juristas que a este respeito dizem “o código não o esclarece. E se a intenção fosse a de permitir essas situações a formulação do texto legal seria outra”. Portanto nem a mais elementar das dúvidas era esclarecida. É graças a situações deste género que a taxa de abstenção nos actos eleitorais não pára de subir colocando cada vez mais em causa a democracia.
Esta medida poderia ser absolutamente desastrosa por variadas razões. Primeiro porque ia dar força aos conflitos entre vizinhos. Bastaria você não ir à bola com a sua vizinha que tem três cãezinhos e três gatinhos para que apresentasse uma queixa tirando-lhe assim os animais. Anteriormente era pedida uma justificação, uma razão para que a queixa fosse efectuada. Agora não, bastaria que lhe apetecesse embirrar com os seus vizinhos. Se o ambiente de muitos condomínios já é de cortar à faca nos dias de hoje, se esta lei entrasse em vigor não sei onde a situação ia parar.
Mas as consequências seriam mais graves do que isto. Muito mais graves mesmo, porque indirectamente incentivavam ao abandono dos animais. Sim, existem sempre outras opções, contudo todos sabemos que mais facilmente um casal abandonaria o seu Boby ou o seu Tareco no meio da rua do que o entregaria a uma associação que pudesse tomar conta dele. O número de animais abandonados cresce dia após dia e esta medida ia, infelizmente, dar ainda mais força a esse fenómeno. Mas mesmo que o referido casal se dirigisse a uma associação deparávamo-nos outro problema: até que ponto as associações actualmente existentes teriam capacidade de receber mais animais? Muitas delas vivem diariamente com a corda ao pescoço, trabalhando arduamente para que nada falte aos animais que têm ao seu cuidado, uma tarefa que tem tanto de difícil quanto de inglório quanto mais se de repente recebessem uma quantidade insana de animais.
Portanto só para resumir, se eu tivesse um casal de cães e se eles tivessem um filhote eu teria de tomar uma de três decisões: ou ceifava automaticamente a vida ao pobre cachorrinho que acabara de nascer; ou abandava um dos três elementos em plena rua; ou dava o pai ou a mãe a uma instituição ou a um familiar/amigo separando assim uma família e privando um cachorrinho de ter a presença e a companhia do seu pai ou da sua mãe.
A questão é que a Ministra arrependeu-se e recuou durante o dia de ontem. Ou melhor, a pressão exercida sobre si a partir do momento em que esta notícia foi divulgada na terça-feira levou-a recuar. Nas redes sociais o assunto marcou o dia de terça-feira, a confusão instalou-se e a revolta para com o Governo de Pedro Passos Coelho subiu ainda mais de tom (se é que tal era possível). Pois no dia seguinte (ontem) a Ministra Assunção Cristas apressou-se a desmentir tal notícia dizendo mesmo “é importante que fique claro que não há nenhuma lei aprovada e ainda não foi sequer discutido nada a nível político. Esta é uma discussão que não faz sentido nesta altura, porque não é uma prioridade do Governo nem do Ministério da Agricultura. Não gastei um minuto a olhar para isto, porque tenho muitas outras prioridades. Esta legislação não é uma prioridade”.
Ou seja, assim que a contestação começou a subir de tom a Ministra recuou nas suas intenções de rever a lei que limita o número de animais por habitação. E ainda bem que foi este o desfecho desta história. Se perante outras medidas os portugueses se tivessem indignado de igual forma talvez Pedro Passos Coelho não nos tivesse conduzido ao abismo onde hoje estamos…