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Mais de metade dos portugueses diz que a crise não passou

Mais de metade dos portugueses diz que a crise não passou e uma das maiores preocupações é o desemprego, mesmo depois de os níveis terem caído para metade dos valores de há quatro anos.

Segundo o II Grande Inquérito de Sustentabilidade em Portugal, desenvolvido por investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa (UL), 53,5 por cento dos inquiridos consideram que a crise não passou e apenas menos de um terço (29,8 por cento) diz que a crise está ultrapassada.

“As pessoas sentem que a crise ainda não terminou e isso deixou desconfiança e uma sensação de insegurança que permanece ativa e que é determinante de muitos comportamentos, até de comportamentos ligados ao consumo, com um perfil mais notório do ‘consumidor constrangido’, que faz contas a tudo”, disse à agência Lusa a investigadora do ICS Luísa Schmidt, uma das coordenadoras do estudo.

A responsável apontou como exemplo de comportamentos que mudaram com a crise e se mantiveram como o uso de espaços públicos gratuitos, como os jardins e parques, sobretudo as famílias com crianças, em detrimento dos centros comerciais.

“O uso da marmita é outro dos hábitos que ficaram. Na hora do almoço, a manutenção desse hábito também acontece porque as pessoas tiram prazer a as próprias instituições e serviços se adaptaram e criaram condições para as pessoas poderem almoçar. A mudança passa não só pela nossa necessidade ou jeito de mudar, mas por criar infraestruturas de apoio que facilitem”, sublinhou.

Quanto ao impacto da crise económica nos hábitos de consumo, em geral, ela alterou os hábitos para a esmagadora maioria da população, mas foram “os mais vulneráveis aos efeitos da crise” os que mais mudaram.

Como prova do sentimento de desconfiança para com a crise, o desemprego aparece como a principal preocupação dos portugueses, apesar de os níveis terem descido nos últimos quatro anos de 14,3 por cento para 7,4 por cento.

Os investigadores agregaram as principais preocupações manifestadas pelos inquiridos num conjunto a que chamaram “sustento corrente da vida” (60,6 por cento), incluindo o desemprego (38,8 por cento), o baixo poder de compra/baixos salários (29,2 por cento) e o custo de vida (9,6 por cento).

Ao segundo grande conjunto de preocupações os investigadores chamaram “abalo de confiança no Estado”. Neste grupo, o que os inquiridos apontaram com mais frequência remete para a “corrupção” (26 por cento), mas a falência funcional do Estado que mais os preocupa é o “sistema de saúde” (24,5 por cento), o seu funcionamento e acesso. Em seguida, os inquiridos apontam a quebra de “credibilidade da classe política” (16,1 por cento).

“Embora os inquéritos não permitam estabelecer uma ligação direta entre o funcionamento do sistema financeiro e a falência moral da classe política por via dos mecanismos clássicos de corrupção que os media tanto têm difundido, é percetível o reconhecimento de que a vida pública decorre num regime profundamente viciado, o que acentua a separação e distância entre governantes e governados, independentemente dos governos que vão passando”, escrevem os investigadores.

O terceiro grande conjunto de preocupações gira em torno de diversas manifestações de “desarmonia e de discórdia social” (35,4 por cento), incluindo a pobreza/exclusão (16,8 por cento), a fragilidade da vida económica do país (12,8 por cento) e as desigualdades sociais (9,9 por cento).

Ligeiramente mais abaixo surge a preocupação com o ambiente (19,6 por cento), sobretudo nas dimensões de “degradação” e “poluição/riscos”.

Comparando com o inquérito anterior, desenvolvido em 2016, há diferenças na forma como os portugueses investiam qualquer rendimento extra disponível. Se há quatro anos colocavam em primeiro lugar a “poupança” (46,3 por cento), depois “fazer férias” (43,1 por cento) e a seguir os “cuidados de saúde” (40,5 por cento), no inquérito de 2018 as prioridades mantém-se, mas os cuidados de saúde sobem ao primeiro lugar (50,5 por cento), sobretudo para quem tem mais de 64 anos e menos escolaridade e rendimento.

A poupança (47,8 por cento) passa para o segundo lugar nas prioridades de investimento em caso de rendimento disponível, “o que indica que, para os portugueses, a experiência da crise económica ainda está muito presente e, sobretudo, teve impactos estruturantes no que respeita à necessidade de segurança económica fundamental”, refere o estudo.

Em terceiro lugar vêm as “férias” (38 por cento), como válvula de escape e sonho compensatório, e já com percentagens um pouco mais baixas (a rondar entre os 20 por cento e os 30 por cento) surge o desejo de “investir na melhoria da habitação”.

“Num contexto de alterações climáticas e com um parque habitacional degradado, esta é uma matéria que veio para ficar e necessita de aprofundamento e apoios”, consideram os investigadores.

O estudo analisou 1.600 inquéritos a residentes em Portugal, maiores de 18 anos, estratificado por região, género e idade e tem 95 por cento de intervalo de confiança. Decorreu entre 07 de novembro e 13 de dezembro de 2018.

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