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Será Carlos do Carmo o melhor cantor português de sempre?

Carlos do Carmo-01

O dia-a-dia de todos os portugueses é marcado por notícias. Notícias essas que, na esmagadora maioria dos casos, são negativas e que nos deixam profundamente deprimidos, tristes e frustrados. Mas de vez em quando lá surge algo que nos anima, que faz ressurgir o orgulho na nossa bandeira, no nosso hino, nas nossas gentes, na nossa cultura. E como 2014 é ano de Mundial de Futebol (ainda por cima no Brasil, o nosso “país irmão”) certamente que muitos esperavam que fosse Paulo Bento, Cristiano Ronaldo e companhia a trazerem-nos boas notícias, sorrisos e festejos intermináveis. E já que o Mundial 2014 acabou por ser um fracasso de proporções épicas a felicidade, alegria e festejos vieram de um local inesperado: do fado.

Esta semana ficará para sempre na história do nosso país: Carlos do Carmo venceu o Lifetime Achievement Award tornando-se assim no primeiro português a vencer um Grammy.

Dito isto, a questão que eu coloco é a seguinte: será que este prémio torna Carlos do Carmo o melhor cantor português de sempre? Não existe uma resposta certa ou errada a esta pergunta uma vez que cada um de nós terá os seus próprios factores que nos podem levar à escolha do(a) melhor cantor(a) português(a) de sempre. E antes que se indignem por eu considerar Carlos do Carmo merecedor de tamanha distinção em detrimento de tantos outros nomes históricos, acompanhem o meu raciocínio.

Carlos Manuel de Ascenção do Carmo de Almeida é conhecido de todos nós apenas como Carlos do Carmo. Aqueles que como eu andam na casa dos vinte e poucos anos podem dele dizer que sempre o conheceram assim: impecavelmente vestido, com cabelos brancos e um simpático e acolhedor sorriso nos lábios. A voz doce e o estilo inconfundível permitiram-lhe distinguir-se de todos os restantes fadistas. A sua forma de estar em palco e a sua simpatia para com o público que o segue aproximam-no do mero comum dos mortais.

A gradeza de Carlos do Carmo está no seu talento mas acima de tudo no facto de ele ser o “pack completo”. Tem talento e soube desde sempre potenciá-lo. E aqui reside uma parte substancial do “segredo” do seu sucesso e da longevidade da sua carreira. Mas tem também muito carisma, é humilde, possui uma simpatia extrema e é alguém que sabe estar. Sabe medir o que diz, como diz e quando o diz. Sabe o valor do público e respeita-o todo, incluindo os que não o seguem a ele ou ao estilo que canta, o fado. É um acérrimo defensor do fado, dos fadistas e dos músicos, reconhecendo o talento de todos (nomeadamente dos músicos, algo que nem todas as figuras desta indústria fazem).

E como se todas estas características não chegassem tem ainda mais dois factores que jogam, e muito, a seu favor. Primeiro: percebeu desde cedo que não podia ficar preso ao passado.

Quer isto dizer que não canta os êxitos que lhe trouxeram o doce sabor do sucesso? Claro que não, isso não faria qualquer sentido! Não ficar preso ao passado significa ser-se moderno conseguindo ainda assim manter o seu estilo pessoal que o caracteriza. Significa também perceber que o público de 2014 não tem qualquer semelhança com o de 1964 quando começou a cantar o fado. É preciso sabermos adaptarmo-nos às mudanças e nessa arte o Carlos é Rei.

E em segundo lugar: não só não exclui e afasta os jovens fadistas como lhes dá a mão, ajuda-os, aconselha-os e elabora parcerias com eles em várias músicas, álbuns e concertos. Este apoio aos jovens é importante não só para a sua carreira pessoal (afinal de contas o público reconhece e aplaude o esforço em ajudar as novas gerações) como para a carreira daqueles que sonham um dia cantar perante multidões e ser idolatrados por todo o país. Mas este apoio é acima de tudo fundamental para o fado. A troca de experiências, vivências e ensinamentos só pode beneficiar estes jovens e, consequentemente, todos nós que somos ouvintes de fado.

Precisam de ter talento e perseverança (e mais umas quantas características também como já vimos acima) mas esta troca de ensinamentos é insubstituível.

Obviamente que é impossível dizer quem é o melhor cantor português de sempre. Mesmo que tentássemos elaborar uma lista com os dez, vinte ou cinquenta melhores, certamente que cometeríamos várias injustiças. Mas em todas as listas teria de constar, sem sombra de dúvida, o Senhor Carlos do Carmo. Alguém que consegue após cinquenta anos manter-se no activo, a encher salas, a gravar e a vender discos vendo o seu talento e mérito reconhecido por todos (incluindo os que não são fãs de fado) merece este mundo e o outro.

Este prémio é mais do que merecido e é histórico por ser o primeiro (esperemos que apenas o primeiro de muitos e não o único) português a consegui-lo. Os portugueses estão habituados a serem esquecidos a nível internacional. E esta condecoração sabe ainda melhor por causa disso.

{loadposition inline}Em tom de curiosidade o próprio Carlos do Carmo disse à imprensa que quando o Presidente do Júri dos Grammys lhe telefonou a dar a notícia proferiu as seguintes palavras: “Nós consideramos o Carlos do Carmo um dos seis melhores cantores vivos.” Ainda bem que Carlos do Carmo viveu os anos necessários para sentir este apoio, este carinho e este reconhecimento não só do povo do país que é seu, como também de toda a indústria musical internacional.

Finalizo com uma confissão: sou um apaixonado por fado. Esta é uma paixão recente pois até há um par de anos o fado pouco me dizia. Mas isso tem vindo a mudar à medida que tenho crescido e “envelhecido” (se é que posso usar esta expressão aos vinte e três anos).

Contudo prefiro os novos fadistas (e a nova abordagem e visão que todos eles trouxeram ao fado) do que a vertente tradicional. Mas o Senhor Carlos do Carmo (é mais do que justo que o trate assim) é um caso aparte. É uma daquelas personalidades a que não conseguimos ficar indiferentes pois transborda talento e simpatia.

Portugal, o fado e principalmente o Carlos do Carmo, estão de Parabéns. Esta é uma semana histórica para todos nós, uma daquelas datas que deve ser lembrada daqui a vinte, cinquenta ou cem anos. Afinal de contas Carlos do Carmo só há um, este e mais nenhum.

Boa semana.
Boas leituras.

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