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Fome, doenças, alterações climáticas e conflitos ameaçam mais de 114 milhões de deslocados

Fome, doenças não transmissíveis, alterações climáticas e conflitos são as grandes ameaças à saúde de mais de 114 milhões de deslocados. Um alerta feito pela Portugal com ACNUR a propósito do Dia Mundial da Saúde.

5,5 milhões de pessoas deslocadas receberam assistência médica do ACNUR. ©UNHCR/Oxygen Empire Media Production

Malária, infeções respiratórias e falta de acesso a cuidados neonatais são as principais causas de morte entre as populações refugiadas. Só em 2023, a Agência da ONU para os Refugiados prestou assistência médica a 5,5 milhões de pessoas deslocadas, mas o acesso a cuidados de saúde básicos ainda é insuficiente.

O número de crises humanitárias continua a aumentar e o seu impacto na saúde das pessoas é cada vez mais devastador. As Nações Unidas estimam que 300 milhões de pessoas necessitarão de assistência humanitária e proteção em 2024, sendo que cerca de metade destas (165,7 milhões) necessitará de assistência médica urgente.

Só no último ano, o ACNUR prestou apoio ao nível da saúde a 5,5 milhões de pessoas deslocadas, entre as quais 595 mil tiveram acesso a serviços de saúde mental e apoio psicossocial, 784 mil mulheres e meninas receberam cuidados de saúde reprodutivos e sexuais e 160 mil crianças entre os 6 meses e os 5 anos precisaram de tratamento por apresentarem sintomas de desnutrição.

“Quando alguém é forçado a fugir, os cuidados com a sua saúde acabam por ser postos em segundo plano”, explica Joana Feliciano, Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR. “Por essa razão é que os refugiados, em particular as crianças, correm um risco mais elevado de contrair doenças graves, mas muitas vezes evitáveis se tivessem acesso a cuidados médicos primários, como a vacinação”, acrescenta.

De acordo com o ACNUR, as três principais causas de morbilidade entre os refugiados são a malária (17%), infeções das vias respiratórias superiores (18%) e infeções das vias respiratórias inferiores (6%). Já entre as crianças deslocadas com menos de cinco anos, as principais causas de morte são os óbitos neonatais (31%), a malária (8,3%) e as infeções das vias respiratórias inferiores (5,6%).

Uma situação bastante preocupante, como revela Joana Feliciano: “Em 2023, o ACNUR dava conta de algumas tendências assustadoras, entre as quais o aumento da mortalidade infantil, a diminuição da cobertura vacinal das crianças, o crescimento dos casos de malária, dengue e cólera, uma maior prevalência da desnutrição e uma crescente necessidade de serviços de saúde mental e de apoio psicossocial”.

O crescimento das doenças não transmissíveis, como doenças cardíacas, cancro, diabetes, doenças respiratórias crónicas e problemas de saúde mental, é outra das ameaças que enfrenta a população deslocada e refugiada. Estas doenças foram responsáveis por uma proporção significativa de todas as mortes nos principais países de origem dos refugiados sob mandato do ACNUR: 75% na Síria, 92% na Ucrânia, 50% no Afeganistão e 28% no Sudão do Sul.

“As pessoas em contexto de emergências humanitárias correm um risco acrescido de contrair doenças não transmissíveis, uma vez que a deslocação forçada pode perturbar o tratamento destas doenças ou atrasar o seu diagnóstico devido ao limitado acesso a cuidados de saúde, colocando os refugiados numa situação ainda mais complexa”, alerta a Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR.

No entanto, os cuidados e o tratamento das doenças não transmissíveis raramente são incluídos como parte integrante da preparação e da resposta a emergências humanitárias, que tendem a focar-se nas necessidades mais imediatas. “As necessidades nesta área são enormes, mas os recursos não o são. Temos de encontrar formas de integrar melhor os cuidados de saúde para as doenças não transmissíveis nas respostas de emergência, para proteger mais vidas destas tragédias evitáveis e melhorar a segurança ao nível da saúde”, afirma o Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus.

O contexto atual, com a proliferação de conflitos armados por todo o globo e o crescente impacto das alterações climáticas, traz novos desafios às organizações que procuram garantir o acesso das pessoas refugiadas e deslocadas a uma saúde de qualidade. A principal causa de morte em muitas situações de conflito e de deslocação não é a violência, mas a propagação de doenças transmissíveis como a malária, o sarampo e a diarreia. Já os efeitos das alterações climáticas estão a provocar um aumento do número de casos de malária e de dengue. A nível mundial, foi ainda registado um número sem precedentes de surtos de cólera, que afetaram diretamente os refugiados em 8 países.

A vacinação e o reforço das instalações de água e saneamento têm sido duas das principais estratégias adotadas pelo ACNUR para combater estas doenças transmissíveis. Ao nível da vacinação, o ACNUR tem tentado aumentar a oferta e o acesso às vacinas, nomeadamente contra o sarampo, a poliomielite e o tétano, e a garantir a imunização total das crianças deslocadas. Na questão da água e saneamento, a Organização está a construir sistemas de abastecimento e tratamento de água para garantir uma quantidade suficiente de água potável e a financiar a construção de instalações sanitárias que capturam e contêm agentes patogénicos nocivos.

Contudo, nos países mais afetados pelos conflitos, estas medidas são insuficientes, dado o grau de destruição e de degradação dos sistemas de saúde. Em Moçambique, por exemplo, os ataques armados em Cabo Delgado obrigaram à interrupção dos serviços de saúde em Chiure, devido aos incêndios e pilhagens a instalações médicas e à subsequente deslocação dos profissionais de saúde. No Haiti, na sequência dos episódios de violência armada do último mês, a situação sanitária é dramática, com falta de material médico e a interrupção dos serviços de resposta ao HIV e tuberculose. No Sudão, o conflito está a agravar a situação de fome e de desnutrição no país, sobretudo entre as crianças, e estão a disseminar-se doenças infecciosas como a cólera, dengue, malária e sarampo, devido ao colapso do sistema de saúde. Já em Gaza, a situação é catastrófica, com hospitais a tornarem-se verdadeiros campos de batalha e sem qualquer possibilidade de se assegurarem os serviços mais básicos de saúde, alimentação ou proteção.

“À medida que as deslocações forçadas aumentam, temos de trabalhar para garantir o direito à saúde dos refugiados, de outras pessoas deslocadas à força e das comunidades de acolhimento. É imperativo que existam políticas e recursos para apoiar a inclusão dos refugiados nos sistemas nacionais de saúde”, defende Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. “Temos de ser inovadores e trabalhar com os governos e os parceiros para responder a estes desafios.”

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