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Tudo o que precisa de saber sobre o Panteão Nacional

Panteão-Nacional

Este é o artigo definitivo sobre o Panteão Nacional. Tudo o que precisa de saber sobre o edifício em si, a sua história até aos dias de hoje, o seu simbolismo, e a mais recente polémica sobre a entrada da Lenda do futebol português Eusébio encontrará neste artigo.

Da igreja primitiva, que estava no local onde hoje podemos encontrar o Panteão Nacional, nada resta nos dias de hoje. Foi erguida em 1568 por vontade da infanta D. Maria (1521-1577), filha de D. Manuel I, e destruída quase na totalidade durante uma tempestade, em 1681. No ano seguinte teve início a construção do actual edifício, que só viria a ser concluído em 1966, por ordem do então Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar. Sim, leu bem. Foram precisos 284 anos e um Salazar para que o edifício ficasse finalmente pronto.

Quantas vezes não ouviu já o caro leitor a expressão “obras de Santa Engrácia”? E sabe de onde vem a expressão? A expressão vem exactamente da construção desta igreja. Demorar 284 anos a construir seja o que for é caso para ter um provérbio popular em sua homenagem, é mais do que justo!

Os anos foram passando e a verdade é que a obra nunca mais era concluída. Por motivos diversos, mas acima de tudo por falta de verbas, as obras estiveram quase sempre paradas e quando avançavam…acabavam por parar outra vez passado pouco tempo.

Nem mesmo a monarquia liberal, durante a qual é criado o Panteão Nacional (nomeadamente através do Decreto de Passos Manuel, a 26 de Setembro de 1836), define para ele um local específico. O regime de então queria apenas guardar “as cinzas dos grandes homens que se tinham sacrificado na revolução de 1820”, sendo que a este objectivo juntava-se ainda o da “reparação do esquecimento a que, há séculos, estava votado o maior de todos os portugueses: Camões”.

As primeiras figuras a entrar para o Panteão logo a seguir ao enaltecimento de Luís de Camões, são obviamente inseparáveis de uma visão que acreditava no progresso e que rejeitava de forma veemente o culto do passado. Procuravam enaltecer os que melhor exprimiam um pulsar colectivo, ou seja não tanto os políticos e os militares de forma específica, mas, acima de tudo os intelectuais e entre estes, os poetas. Numa primeira fase, os eleitos provêm da literatura. Depois de Camões honraram-se nos Jerónimos (sim, porque nesta fase é lá que se encontra o Panteão Nacional. Só mais tarde, é que a Lei n.º 520, de 29 de Abril de 1916, destina para estas funções o “incompleto templo de Santa Engrácia”, monumento nacional desde 1910. Só que entre esta data e a da sua inauguração passa meio século, coisa pouca portanto) Alexandre Herculano, João de Deus e Almeida Garrett.

Salazar percebeu a fragilidade do regime e decidiu fazer daquela igreja inacabada há séculos uma autêntica bandeira do Estado Novo. Para tal, quis compensar quase trezentos anos acabando a obra em apenas dois anos. Parecia impossível, mas graças a uma grande campanha e muito trabalho e empenho o objectivo foi concretizado. O importante naquela fase era acabar a obra, não pensar em quem a ia ocupar. O conceito e o programa do panteão ficaram claramente para segundo plano, sendo apenas discutidos e aprovados mais tarde.

Muitos nomes foram então apontados para fazer parte do Panteão Nacional. Seis grandes figuras passaram a ocupar os braços do transepto (o espaço mais nobre): Camões, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira, Pedro Álvares Cabral, Afonso de Albuquerque e o Infante D. Henrique. É necessário ainda referir que os corpos de todas estas figuras não foram transladados, optou-se antes pela criação de cenotáfios (ou seja, monumentos fúnebres sem a presença dos restos mortais).

É curioso ver que o Estado Novo, que tanto enaltecia a história e as suas figuras, não ‘panteoniza’ ninguém. Ou seja, as personalidades que escolhe vêm já de uma sepultura nobre.

Desde a sua inauguração em 1966, o panteão recebeu apenas os restos mortais do General Humberto Delgado (em 1990), de Amália Rodrigues (em 2001), do primeiro Presidente da República, Manuel Arriaga (em 2004) e de Aquilino Ribeiro (em 2007). Está prestes a receber os de Sophia de Mello Breyner Andersen e daqui a um ano será a vez de Eusébio da Silva Ferreira.

A verdade é que este panteão sempre foi pouco considerado no pós-25 de Abril, porque o regime democrático teve dificuldade em aceitá-lo pela sua colagem a Salazar. Já pensaram que não é por acaso que a primeira pessoa escolhida para ali ser sepultada depois de ter sido instaurada a democracia é um opositor ao Estado Novo?

Apenas no ano 2000, um ano depois da morte de Amália, é que foram definidas as actuais honras do panteão. A Lei n.º 28 estipula assim que estas têm por objectivo “homenagear e perpetuar a memória dos cidadãos que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”. Simplificando: enquanto a actual lei estiver em vigor apenas quem cumprir os requisitos poderá entrar para o Panteão Nacional.

E é neste ponto do artigo que chegamos à discussão da justiça, ou não, da entrada de Eusébio no Panteão. Comecemos pela parte legal. Pode entrar Eusébio no Panteão? Claro que pode. Serviu a camisola da selecção nacional de futebol com orgulho e brio, levando não só o seu nome pessoal mas o nome do país que representava (e que é o de todos nós) mais alto e mais longe. É verdade que não teve quaisquer cargos públicos ou militares, que não foi escritor ou cientista, mas foi com toda a certeza um dos maiores artistas da sua área que este país já viu. Expandiu a cultura portuguesa como poucos e conseguiu ser global antes da própria globalização sequer surgir.

O argumento de ter sido “apenas um jogador de futebol” também tem muito que se lhe diga.

Mas do que têm vocês “medo”? Que de repente fiquemos todos loucos e queiramos levar para o Panteão todo o cidadão que tiver dado mais de dois toques seguidos numa bola de futebol?

Atenção que não estamos a falar de iniciar aqui uma onda para levar até ao Panteão todos os jogadores de futebol que já faleceram, os que estão vivos e os que ainda hão-de nascer no futuro mas sim o caso, isolado, do inigualável Eusébio. Ninguém falou no Abel Xavier, no Vítor Paneira ou no Licá. O Eusébio foi o melhor jogador que este país já viu e foi inclusivamente reconhecido como um dos dez melhores jogadores de todo o século XX acham que foi por acaso ou que foi por mera sorte?

As pessoas que são contra a entrada do Eusébio no Panteão são as mesmas que defendem a entrada de mais escritores e poetas. Como se o Panteão fosse um bar VIP de Cascais onde apenas os eruditos pudessem entrar. Já agora, o meu vizinho de cima tem a mania que é filósofo e posta no Facebook frases que parecem extremamente inteligentes mas que na verdade não querem dizer absolutamente nada, posso propô-lo para o Panteão Nacional também?

Vá lá, deixem de lado esse ódio ao futebol e ao Eusébio e percebam a dimensão da sua carreira, do seu talento, das suas conquistas, da sua luta e do impacto que teve em milhares de pessoas (quer da sua geração como das gerações seguintes). Ser contra a entrada do Eusébio no Panteão Nacional é renegar parte da nossa história e um dos maiores talentos que o mundo já viu na sua área.

Boa semana.
Boas leituras.

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