O romance “Os transparentes” justifica a entrega do prémio Saramago 2013 a Ondjaki, um escritor angolano que alimenta “uma esperança quase ridícula, quase utópica, de uma Angola mais justa”. Enquanto espera, recebe os 25 mil euros do galardão.
O júri do prémio José Saramago 2013 decidiu atribuir o galardão a Ondjaki, o autor do romance “Os transparentes”. Para além dos 25 mil euros do prémio, o escritor angolano foi distinguido com um “abraço aos que não se acomodam, mas antes se incomodam” com a situação que se vive em Angola, como o próprio Ondjaki resumiu: “alimento todos os dias uma esperança quase ridícula, quase utópica, de uma Angola mais justa. Enquanto espero, abraço aqueles que quando vão falar estão preparados para escutar”.
“Eu não ando sozinho. Este livro é sobre uma Angola que existe dentro de uma Luanda”, salientou o autor, de 36 anos, assumindo “as dúvidas e os anseios em relação ao nosso momento histórico atual”, mesmo quando tenta “alimentar todos os dias uma esperança que me vem, certamente, de outros mais-velhos que conheci, de um outro tempo, de uma outra educação”.
Ondjaki explicou como deixou transparecer a alma no livro: “fi-lo com o que tinha dentro de mim entre verdade, sentimento, imaginação e amor. É uma leitura de carinho e de preocupação. É um abraço aos que não se acomodam mas antes se incomodam. É uma celebração da nossa festa interior, trazendo as makas, os mujimbos, algumas dores, alguns amores, penso que todos queremos uma Angola melhor”.
Os prémios, continuou o autor, “trazem exigências, reclamações, debates”. “Parece-me que estamos assim a caminho do futuro, se é realmente o futuro que queremos: democracia, exposição, debate. O direito à convicção tanto quanto o direito à dúvida. Seremos um país melhor quando as pessoas puderem expor e debater as convicções ainda com mais liberdade e conforto. Tenho o orgulho de pertencer a um país onde os jovens pensam, refletem e chegam às próprias conclusões”, concluiu.
Nas palavras de Vasco Graça Moura, um dos elementos do júri, “Os transparentes” realça a forma como “a utilização da língua portuguesa é não só capaz de captar com a maior naturalidade as mais diversas situações num contexto social tão diferente do nosso, mas comporta em si mesma fermentos de uma inovação que espelha com força e realismo um quotidiano vivido na sua trepidação e também funciona eficazmente ao restituí-lo no plano literário”.
Para Pilar del Río, a viúva de Saramago e também membro do júri, a obra transmite “a sensação de estar a ler uma literatura inaugural”, a qual justificou: “sabemos que não é assim, que Angola tem grandes escritores e que muitos fazem do português em África um idioma sólido, versátil e belo, e que também Ondjaki faz parte de uma poderosa constelação”.
O prémio José Saramago, instituído pela Fundação Círculo de Leitores, foi entregue pela oitava vez. Distingue um autor que, nos últimos dois anos, tenha menos de 35 anos (à data da publicação) e obra editada em língua portuguesa. O júri, presidido por Guilhermina Gomes, foi ainda constituído por Ana Paula Tavares, Manuel Frias Martins, Maria de Santa Cruz, Nazaré Gomes dos Santos e Nélida Piñon.
Na sinopse da obra, editada pela Caminho, “Os transparentes” é apresentado como um romance em que “de novo aparece a Luanda atual do pós-guerra, das especificidades do seu regime democrático, do ‘progresso’, dos grandes negócios, do ‘desenrasca’, como pano de fundo de uma história que é um prodígio da imaginação e um retrato social de uma riqueza surpreendente”.