Lisboa, 13 jul 2019 (Lusa) – Cinquenta anos depois da alunagem da Apollo 11, a Lua volta a dar que falar, com os Estados Unidos a prometerem lá voltar em 2024 com astronautas, incluindo uma mulher, tendo na mira chegar mais longe, a Marte.
Em maio, a agência espacial norte-americana NASA anunciou que a nova missão lunar humana, ainda sem custos contabilizados, se chamará Ártemis, que, na mitologia greco-romana, era irmã gémea de Apolo e deusa da caça e da Lua.
Dois meses antes, a administração do Presidente Donald Trump já tinha antecipado em quatros anos, para 2024, o regresso de astronautas norte-americanos à Lua, incluindo a primeira mulher.
A futura tripulação alunará no polo sul, onde há gelo nas suas crateras e, portanto, condições para ter potencialmente água líquida.
A porta de entrada será uma estação orbital na Lua, a Gateway, que servirá de plataforma também para Marte, a ser construída numa parceria entre a NASA e as congéneres europeia, russa, canadiana e japonesa e empresas privadas, algumas a apontarem baterias para o turismo espacial e a colonização de Marte.
Com o teste de lançamento sucessivamente adiado, o foguetão SLS, com que a NASA pretende regressar à Lua e ir a Marte, tem sido um dos seus calcanhares de Aquiles.
Em 2024, ano em que também a empresa aeroespacial do multimilionário norte-americano Jeff Bezos, a Blue Origin, pretende ter pessoas na Lua, é esperada a desativação da Estação Espacial Internacional, há cerca de 20 anos a casa permanente dos astronautas na órbita da Terra e onde se testam novas tecnologias e se fazem experiências científicas, tirando partido da microgravidade.
A última missão tripulada à Lua, a Apollo 17, aconteceu em dezembro de 1972, três anos depois da chegada do Homem à sua superfície, com a missão Apollo 11.
Ao todo, estiveram na Lua 12 astronautas norte-americanos, dois deles civis: um engenheiro, Neil Armstrong, e um geólogo, Harrison Schmitt, respetivamente o primeiro e, até hoje, o último, homens a pisarem o solo lunar. Cerca de 400 quilos de rocha lunar foram enviados para a Terra ao longo das seis alunagens.
Sem se referir explicitamente a uma base lunar, a NASA espera “estabelecer missões sustentáveis” na Lua em 2028 para enviar posteriormente astronautas para Marte. Só não diz quando.
O envio de humanos a Marte chegou a ser atirado para a década de 2030 pela administração de Barack Obama, antecessor de Donald Trump, e, antes disso, por George W. Bush, que apresentou o programa lunar Constelação, abandonado por Obama em 2010 e que se propunha colocar astronautas na Lua até 2020.
Mais ambicioso, Elon Musk, patrão da empresa aeroespacial SpaceX, que lançou em fevereiro de 2018 o foguetão mais potente do mundo, o Falcon Heavy, avançou que quer ter homens em Marte em 2024.
Paulo Gil, professor e investigador do Instituto Superior Técnico (IST) e especialista em dinâmica espacial, considera que os prazos assumidos pelos vários governos norte-americanos para as missões tripuladas na Lua e em Marte, apesar de otimistas, não são impossíveis de cumprir desde que haja “financiamento suficiente”.
O docente lembra que o programa lunar Apollo “foi feito a contrarrelógio” e “era um desafio, porque tudo era novo”, desde a acoplagem de duas naves na órbita da Lua à reentrada na atmosfera terrestre e às técnicas de computação.
“Foi feito para ser um desafio tecnológico”, frisa, “para ser uma afirmação política” dos Estados Unidos em relação ao mundo e em particular à União Soviética, que já tinha enviado para o espaço o primeiro satélite e o primeiro Homem.
O adversário que se perfila, agora, é a China, que colocou este ano a primeira sonda do mundo no lado oculto da Lua e se propõe construir uma base lunar, um conceito igualmente apoiado pela Agência Espacial Europeia (ESA), que apresenta a “Moon Village” (aldeia lunar) como trampolim para Marte.
Para Paulo Gil, o regresso de astronautas à Lua “pode ser um meio” para os Estados Unidos “treinarem” uma ida a Marte, onde “pode haver vida” microbiana e recursos a explorar, e “marcarem terreno”, uma vez que “os chineses também querem ir à Lua”.
O astrofísico Pedro Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, entende que “é uma questão de tempo” ter astronautas em Marte, mas não no tempo estimado pelos norte-americanos.
Nas suas contas, será preciso esperar 20 anos por uma base na Lua e 30 a 50 anos para o Homem chegar a Marte. Os riscos e desafios são muitos, mas a Lua “será um balão de ensaio” para Marte.
“Está tudo por fazer na Lua”, sustenta, dando como exemplo a criação de um “suporte de vida de longo termo”, que inclua energia, água, alimentação e oxigénio para respirar.
Além disso, os abrigos e os fatos dos astronautas terão de ser feitos de modo a protegê-los de raios cósmicos, amplitudes térmicas extremamente elevadas, meteoritos, tempestades de poeira e ventos solares.
Luís Campos, professor catedrático do IST e especialista em mecânica aplicada e aeroespacial, acrescenta à lista a adaptação do corpo a “longas permanências no espaço”, assinalando que os “músculos atrofiam” e “vai sangue a menos para as pernas e a mais para a cabeça”.
“Apesar de todos os progressos técnicos há sempre riscos”, adverte. Nem mesmo um foguetão, ilustra, é totalmente fiável.
Um astronauta em missão à Lua ou a Marte pode receber doses de radiação cósmica até 700 vezes superiores às que existem na Terra, que tem uma atmosfera e um campo magnético que protege os seres vivos do bombardeamento de raios cósmicos, partículas altamente energéticas que circulam a uma velocidade próxima da luz, e dos ventos solares, emissões imprevisíveis de partículas subatómicas da coroa solar.
As lesões no corpo humano, causadas pela radiação cósmica, que aumenta o risco de cancro, podem estender-se ao cérebro, ao coração e ao sistema nervoso central e gerar o aparecimento precoce de complicações cardíacas, doenças neurodegenerativas ou cataratas.
Em Marte, os riscos e desafios são acrescidos. Segundo o investigador Paulo Gil, do IST, “não há ainda um método seguro” para aterrar humanos num planeta com uma “atmosfera muito ténue” e a “viagem é muito longa”, cerca de dois anos ida e volta, sendo por isso mais “potencialmente mortal”.
Devido à distância que separa Marte da Terra, a descolagem de naves só pode ser feita, em condições favoráveis, a cada dois anos, tempo que os astronautas terão de ficar no “planeta vermelho” a aguardar uma nova janela de oportunidade.
Mas tal como foi com a Lua, em 1969, a ida a Marte significará que a humanidade se desafiou a si própria, de acordo com a astrobióloga Zita Martins.
“Descobrir novos mundos, desafiarmo-nos a nós próprios, desenvolver novas tecnologias…”, enumera a professora do Instituto Superior Técnico, para quem “não há missões isoladas” porque a “ciência é internacional”.
Justificando o interesse em Marte, Zita Martins, que estuda as origens e a procura da vida, refere que o planeta “está relativamente perto do Sol”, uma “fonte de energia e nutrientes”, e que, por isso, poderá ter tido vida no passado. Acrescem ainda os indícios de água líquida encontrados à sua superfície.
Na sua autobiografia “Magnífica desolação”, Buzz Aldrin, o segundo Homem a pisar a Lua, em 21 de julho de 1969, defende a construção de uma base lunar e a exploração humana de Marte, além de voos comerciais para o espaço, e sugere um caminho: “Conhecimento, fé e compromisso”.
Em “Missão para Marte: a minha visão sobre a exploração espacial”, livro que publicou em 2013, mas não editado em Portugal, tal como o anterior, de 2009, o astronauta da Apollo 11 apresenta uma alternativa mais arrojada à Gateway: uma estação orbital em Phobos, a lua maior e mais próxima de Marte, de onde pudessem ser enviados veículos robóticos para o planeta ou onde funcionasse um laboratório para testar tecnologia para missões humanas.
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