Chama-se Síndrome de Cotard e leva os pacientes a pensar que estão mortos. É uma doença rara, um delírio de negação que conduz a uma vida inerte, sem reação a estímulos exteriores e com a convicção de que o corpo está a morrer.
É uma doença que intriga os médicos. O paciente com síndrome de Cotard enfrenta o delírio de negação e chega a negar a sua própria existência. Porque acham que estão mortos? “Porque acha você que está vivo”, reagem.
A doença apresenta três estágios. No primeiro, os pacientes enfrentam crises psicótica e hipocondríacas. No segundo, desenvolvem os “delírios de negação”, onde não aceitam a sua existência ou partes do seu corpo. No terceiro, têm delírios graves e depressão.
O transtorno provoca, além de dúvidas sobre a própria existência, um nível muito alto de sofrimento.
O psiquiatra Jesús Ramírez – que hoje é membro do Instituto Nacional de Neurologia e Neurocirurgia do México – foi confrontado com o primeiro caso em 1995, quando ainda estava a concluir o curso.
Perante si, tinha um homem que lhe garantia que estava morto. Submetido a exames, o paciente foi considerado esquizofrénico, ainda que apresentasse esta particularidade.
A dúvida sobre a própria existência daquele homem levou Ramírez a prestar atenção a outros episódios que pudessem surgir. E o passo seguinte foi uma investigação aprofundada.
Jesús Ramírez destaca que aqueles doentes “enfrentam um grande sofrimento”, uma vez que “perdem toda a racionalidade e e sentido lógico”.
Ao mesmo tempo, o doente com Cotard vive num quadro de extremo negativismo, refutando as teorias mais óbvias que são partilhadas por todas as pessoas sem patologias psíquicas.
O especialista dá como exemplo para estes sintomas um homem que não aceitava que um médico lhe indicasse o internamento. O paciente justificava-se: garantia que estava morto.
“Sinto-me como um robô, como se o mundo não existisse, estou completamente acabado. Assim, não faz qualquer sentido que me tratem”, dizia o paciente, citado por Jesús Ramírez.
Além da negação da vida e do sofrimento que daí advém, o doente com esta síndrome apresenta outros delírios. Um jovem com a doença garantia que “tinha perdido as mãos”, apesar de as ter perante os seus olhos.
O psiquiatra mexicano conta ainda o caso de uma mulher que garantia que “o coração deixou de funcionar”, ou que pura e simplesmente não tinha coração dentro de si.
Em negação permanente, em alucinação, as pessoas enfrentam “depressões muito graves” e vivem num mundo à parte.
Ramírez encontrou um caso raro de uma pessoa que apresentava contradições evidentes como a garantia de estar morto e a garantia da imortalidade.
No mesmo paciente, “coexistiam delírios tão extremos”, que facilmente se arrastam para um suicídio, no pior cenário, ou para a mutilação – quando existe negação de órgãos do corpo.
A doença pode ser diagnosticada em pessoas com outros problemas psiquiátricos, como a esquizofrenia, com Parkinson, ou com outros problemas neurológicos graves.
A síndrome de Cotard, porém, ainda não é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e as grandes associações de psiquiátricas manifestam resistências colocá-la na lista de patologias do foro psiquiátrico.
Jesús Ramírez garante que já identificou 14 casos de pacientes com o problema, ao longo da sua carreira, durante a qual lidou com milhares de doentes.
Há ainda um longo caminho a percorrer, para entender a doença. Desde logo saber qual é a sua origem.
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