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Cerca de 73% do financiamento público é para crédito, só 2% para habitação pública

Cerca de 73 por cento do financiamento público na área da habitação, entre 1987 e 2011, destinou-se à bonificação de juros do crédito à habitação e apenas 2 por cento à habitação pública, concluiu uma investigadora.

Este setor, alerta Ana Cordeiro Santos, foi “sempre o parente pobre do Estado”.

Entre 1987 e 2011, a grande fatia da despesa do Estado na habitação centrou-se na bonificação de juros do crédito à habitação, sendo que o atual Governo continua a apostar na mesma receita seguida ao longo dos anos, disse à agência Lusa Ana Cordeiro Santos, coordenadora do projeto de investigação do “FINHABIT – Viver em Tempos Financeiros: Habitação e Produção de Espaço no Portugal Democrático”, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

No último período analisado (2007/2011), o Estado tinha gasto mais de mil milhões de euros na bonificação de juros, sendo que entre 2002 e 2006 foram gastos mais de 2 mil milhões de euros neste apoio.

Segundo a responsável pela investigação, a política do Estado no setor da habitação tem sido caracterizada por uma forte relação com a finança, postura essa que se acentuou com a construção da moeda única, a partir de dois fatores: por um lado, facilitou o acesso ao financiamento de todos os agentes (empresas de construção e famílias), e, por outro, levou a economia portuguesa a apostar no setor dos não transacionáveis, nomeadamente a construção.

O setor da construção “tornou-se o grande negócio da banca”, nota.

Se a crise financeira de 2008 chamou a atenção para um país com um setor de construção e imobiliário “hiperdesenvolvido” e para uma banca muito exposta a esta área da economia portuguesa, as políticas prosseguidas posteriormente continuaram a acentuar a relação entre a finança e a habitação, afirmou Ana Cordeiro Santos.

Com a crise, vieram também transformações cujos efeitos só se sentiram mais tarde, como é o caso do Novo Regime do Arrendamento Urbano (que liberalizou o mercado do arrendamento e facilitou os despejos), ou os programas de incentivo ao investimento estrangeiro, de que são exemplos o programa ‘Vistos Gold’ ou o Regime Fiscal Específico para o Residente Não Habitual.

“Num contexto de crise, com a população depauperada, surgiu um conjunto de medidas para atrair o capital estrangeiro”, salienta, considerando que a política de Bruxelas de taxas de juro muito baixas fez também “com que o imobiliário se tornasse um investimento financeiro muito mais atrativo”.

É nesse âmbito que se chega a um momento em que se assiste a uma “bolha imobiliária” nas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa e no Algarve, nota.

“Os preços sobem ininterruptamente desde há três anos e esse risco existe de que a bolha impluda”, alerta.

Se durante a crise financeira de 2008 havia uma grande exposição ao setor da construção por parte da banca, em 2017, a exposição representava ainda 38 por cento do ativo total do setor bancário, o que significa que “um decréscimo acentuado de preços no mercado de imobiliário residencial terá efeitos negativos sobre a banca”, afirma a investigadora.

Nesse sentido, “a pressão para manter os preços da habitação elevados é enorme, porque deles depende a sobrevivência do imobiliário e da banca”, sustenta.

De acordo com Ana Cordeiro Santos, face à dependência da economia no setor imobiliário, todos os agentes, incluindo o Governo, estão “a evitar a queda dos preços”.

“Toda a gente está mobilizada para manter os preços a crescer”, acrescenta.

Para a investigadora, o atual Governo tem seguido a lógica da ligação entre habitação e finança, “de uma forma deliberada, não tanto preventiva”.

O Governo “tem promovido deliberadamente o setor imobiliário (através de relevantes incentivos fiscais e outros), e também o setor financeiro através da criação de novos instrumentos e sociedades financeiras que promovem o imobiliário. Esta tem sido mais uma aposta económica do que uma medida de política habitacional”, vinca.

Para a investigadora, a própria Lei de Bases da Habitação “foi um bocadinho esvaziada” da sua ambição inicial e as medidas de incentivo ao arrendamento a longo prazo não surtirão qualquer efeito nas classes média e baixa.

Ana Cordeiro Santos considera “que não há vontade política de se ter um orçamento habitacional suficiente para levar a cabo uma política de habitação pública”.

Sendo a habitação “o parente pobre” do Estado, era necessário “haver o que nunca existiu – uma dotação orçamental mais significativa para promover uma maior oferta pública, sobretudo de arrendamento”, frisa a investigadora.

Os resultados do projeto FINHABIT estão presentes no livro “A Nova Questão da Habitação em Portugal”, que é lançado hoje pela Conjuntura Actual Editora, do grupo Almedina.

Lusa

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