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Um retrato da economia portuguesa nos últimos 23 anos

O que mudou em Portugal entre 1989 e 2012? Certamente que muita coisa mudou, esse é um assunto demasiado vasto. Mas e se centrarmos a nossa conversa na economia? Sabe o que mudou nestes vinte e três anos? Se não sabe eu ajudo dizendo-lhe uma só palavra que, sozinha, diz tudo: terciarização. Esta é a palavra que melhor descreve a evolução da economia portuguesa nas últimas décadas. A perda de importância do sector secundário (onde se incluem as actividades industriais) em detrimento do sector terciário (serviços, comércio e distribuição) é inequívoca. E está espelhada no retracto das maiores empresas do país, traçado por um estudo efectuado recentemente e que teve por base as históricas edições das 500 Maiores & Melhores empresas a operar em Portugal (500 M&M) de uma conhecida revista nacional e que teve este ano a sua 24ª edição. Analisemos então as conclusões do estudo.

Os indicadores relativos a este conjunto de empresas, entre 1989 e 2012, mostram uma alteração do perfil sectorial, com uma ultrapassagem do secundário pelo terciário durante os anos 90. Quanto ao sector primário, tem um peso muito reduzido. Até porque no universo das 500 M&M não há empresas estritamente agrícolas, mas apenas de agroindústria, estando assim incluídas no sector secundário.

O sector terciário é o que mais cresce em volume de negócios e o único que aumenta em termos de Valor Acrescentado Bruto (VAB) e número de empregados. Como resultado, o sector terciário representa hoje 68% dos funcionários enquanto que o secundário se fica pelos 31%. Isto quando em 1989 concentrava 58% dos empregados. Qual a explicação? Os serviços tornaram-se mais apelativos do que a indústria. Mas quais são os factores que explicam essa maior atractividade? Podemos destacar três: angariam capital humano mais qualificado; os bens industriais são produzidos em condições mais competitivas noutras regiões como a Ásia; e as preocupações ambientais condicionaram a produção industrial nos países mais desenvolvidos. Por isso, esta tendência de especialização da economia, ao longo das últimas décadas, não é exclusivamente portuguesa, mas sim global dos países desenvolvidos, embora haja excepções como por exemplo a Alemanha.

Ao mesmo tempo o boom do consumo nas últimas décadas e a evolução das preferências dos consumidores (que levaram à expansão de sectores como as telecomunicações, onde o progresso tecnológico e a inovação em termos de produtos e serviços contribuem decisivamente para a geração de riqueza a que assistimos) também contribuíram para esta evolução. O ganho de importância de alguns subsectores dentro do sector terciário, (nomeadamente a distribuição de combustíveis e a distribuição alimentar) e a contracção de outros no sector secundário (como a indústria) levou à terciarização das 500 M&M.

Mais uma vez os dados são muito claros: 63% do crescimento do volume de negócios do conjunto das 500 M&M entre 1989 e 2012 (crescimento de 101%) ficou a dever-se a quatro subsectores – água; electricidade e gás; distribuição de combustíveis; comércio por grosso e distribuição alimentar. De entre estes, apenas o primeiro não pertence ao sector terciário, mas sim ao secundário. Olhando para o VAB a tendência é muito similar. Há três subsectores de elevado crescimento (telecomunicações, actividades auxiliares aos transportes e serviços) todos incluídos no sector terciário.

Por fim, no emprego, dos cinco sectores com maior acréscimo entre 1989 e 2012, no universo das 500 maiores empresas em Portugal (indústria automóvel, comércio a retalho, serviços, distribuição alimentar e actividades auxiliares dos transportes) apenas um não pertence ao terciário: a indústria automóvel. Esta indústria e os produtos farmacêuticos foram, aliás, os únicos dois subsectores a contrariar a tendência de redução generalizada do número de empregados no sector secundário. Uma evolução explicada pelo desenvolvimento destas indústrias em Portugal nos últimos 24 anos e a sua capacidade de atrair recursos humanos.

Por sua vez os subsectores com maior redução do número de empregados pertencem, quase todos, ao sector secundário, nomeadamente: equipamento de transporte; têxteis, vestuário e couro; água, electricidade e gás; química. A única excepção é a higiene e limpeza (que pertence ao sector terciário). Uma tendência que resulta não apenas da redução do emprego nas maiores empresas mas também da própria diminuição do número de grandes empresas nestas áreas de actividade. No caso dos têxteis, vestuário e couro, por exemplo, as empresas constantes da lista das 500 M&M passaram de 43 para apenas 16.

Centremo-nos agora no sector da distribuição alimentar. É um autêntico peso-pesado do emprego em Portugal e no universo das 500 maiores empresas não é excepção. Concentrando 16% do total de funcionários deste conjunto de companhias (64.188 pessoas), é mesmo o maior sector em termos de emprego. E integra o grupo daqueles onde o número de funcionários mais cresceu. Mais ainda fruto da forte concentração empresarial nesta área – 18 empresas que fazem parte do grupo das 500 M&M são responsáveis por cerca de 66% do total de postos de trabalho deste sector em toda a economia portuguesa.

A distribuição alimentar passou por transformações profundas em Portugal nos últimos vinte e quatro anos. O advento das grandes superfícies e a sua ascensão nas preferências dos consumidores (por factores como a comodidade, proximidade, horários mais alargados e a capacidade para oferecerem preços mais competitivos) culminou na concentração crescente do sector, com forte aumento do volume de negócios das grandes companhias entre 1989 e 2012.

No ano passado a Jerónimo Martins foi a empresa do sector da distribuição que apresentou um maior volume de negócios, com uma facturação de €10,9 mil milhões. Mas mais de 60% deste valor vieram da operação na Polónia. Em Portugal as insígnias Pingo Doce e Recheio geraram vendas de €3,9 mil milhões. Por sua vez a concorrente Sonae (que tem a insígnia com maior quota de mercado em Portugal – o Continente) facturou €3,2 mil milhões na área da distribuição.

Estes números ajudam a compreender a evolução de Portugal nos últimos 24 anos e certamente que contribuem para perceber de que forma mudou a sociedade e os seus hábitos. Apenas olhando para o passado e para o modo como tudo mudou é que podemos analisar correctamente o presente e projectar com maior certeza o futuro.

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