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Timor-Leste/20 anos: Manter Falintil acantonada em 1999 foi decisão sensata — Ian Martin

O ex-chefe da missão da ONU em Timor-Leste Ian Martin considera que a decisão de Xanana Gusmão manter as Falintil, o braço armado da resistência timorense, acantonadas e não responder, em 1999, aos ataques das milícias foi a mais sensata.

“Foi um exemplo da força da liderança de Xanana Gusmão e da sabedoria e sensatez que saiu dessa conversa entre Xanana Gusmão e Taur Matan Ruak”, então comandante das Falintil, recorda em entrevista à Lusa o chefe da missão da ONU que supervisionou o referendo.

Martin refere-se a uma conversa telefónica, entre Xanana Gusmão – então detido na casa prisão de Salemba, em Jacarta – e Taur Matan Ruak, então comandante das Falintil, que estavam acantonadas.

Nessa conversa, Taur Matan Ruak questionou Xanana sobre como responder aos apelos da população que estava a ser atacada e o líder timorense insistiu que os guerrilheiros tinham que ficar acantonados.

“A narrativa indonésia é de que os timorenses estavam a lutar entre si e os indonésios estavam a fazer o melhor possível para restabelecer a segurança. Teria alimentado essa narrativa se as Falintil tivessem saído do acantonamento e tivessem respondido”, explica Martin.

“Foi uma decisão extraordinariamente difícil para eles tomarem, mas também foi uma decisão sensata e justificada pelo facto de a intervenção internacional ter ocorrido tão rapidamente como ocorreu”, afirma.

Ian Martin falou com a Lusa na mesma sala do então Hotel Mahkota – hoje Hotel Timor – onde em 04 de setembro de 1999 anunciou a vitória, por uma ampla margem de 78,5 por cento, da independência na consulta popular aos timorenses.

Em jeito de recordação dos momentos de há 20 anos, Martin comenta igualmente o facto dos efetivos de segurança da UNAMET não estarem armados, opção que considera também sensata.

O ideal, diz, teria sido poder realizar a consulta com uma presença de segurança internacional no país – considerando que isso “nunca seria possível” podendo implicar até à não-sobrevivência de Habibie num momento ténue da sua presidência.

Mas como isso não ocorreu, ter os efetivos internacionais desarmados, acabou por ser a melhor solução.

“Não tenho a mínima duvida de que os nossos agentes estivessem armados, pelo menos para autodefesa, alguns estariam mortos porque estiveram em situações em que teriam usado essas armas”, diz.

“Teria havido confrontos a tiro e pessoal internacional teria sido morto. Paradoxalmente, não estar armado depois do voto acabou por ser maior proteção do que estar armado”, afirma.

Vinte anos depois, Martin diz não encontrar entre os timorenses quem “culpe a UNAMET por nada do que ocorreu em 1999”, ainda que lamente a necessidade de a missão ter praticamente saído de Timor-Leste.

“Obviamente foi um grande desapontamento para a UNAMET – depois de dizer que ficaríamos, fosse qual fosse o resultado da votação -, que isso se tenha tornado impossível porque deixámos de ser o tipo de presença internacional que podia fazer o necessário em termos de segurança”, afirmou.

Um grupo de 80 funcionários ficou até que foi tomada a decisão de envio da INTERFET, saindo depois para Darwin com os refugiados timorenses, tendo um pequeno grupo ficado no consulado australiano durante todo o período.

“Não vejo ninguém agora que tenha refletido seriamente sobre a situação e que pense que o que a ONU fez não foi o correto a fazer nas circunstâncias”, afirma.

Martin destacou em particular as situações nos distritos onde, de forma “independente” os funcionários internacionais “ficaram quando as milícias e as TNI diziam que os estrangeiros podiam sair, mas que deviam deixar os funcionários timorenses”.

Os funcionários internacionais “nunca aceitaram isso e permaneceram firmes e só vieram para Díli quando puderam trazer os funcionários locais”.

Martin diz que do lado timorense outro dos momentos em que ficou patente a coragem da população foi no período de recenseamento, que ele próprio chegou a ponderar dever ser adiado, “porque não havia o tipo de condições de segurança que a ONU tinha considerado essenciais e que a Indonésia tinha garantido que asseguraria”.

“Eu próprio pensei que não conseguiríamos completar o registo e esse foi mais um dos momentos em que ficou patente a coragem dos timorenses, que apareceram em ondas, em grandes números, a mostrar que não iam ser travados pela violência”, afirmou.

A missão da ONU acabou por se saldar pela morte de 15 timorenses – 14 mortos a tiro logo depois do final da consulta e um 15.º por ataque cardíaco – havendo o que Martin considera ser uma “instrução clara de Jacarta” que “queria evitar a todo o custo a morte de estrangeiros”.

Sobre o voto em si, Martin diz que nunca teve receio que os timorenses não viessem votar e que o medo era de “tentativas de intimidação e ataques a locais de votação” ou até de ataques ao local da contagem, em Díli, “quando se tornou evidente que tinha havido uma vitoria ampla da independência”.

“Mas foi sempre extremamente difícil, entre tantas ameaças e previsões de violência, perceber quando e como, e com que nível teríamos violência”, diz.

E isso evidenciou-se mesmo depois do anúncio dos resultados quando se esperava alguma violência, mas nunca da escala que ocorreu e que “acabou por surpreender toda a gente”.

 

ASP // VM 

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