A declaração de Passos Coelho é “inquietante”, para José Sócrates, que no comentário político da RTP, ontem, acusou o primeiro-ministro de “tratar o Tribunal Constitucional como se fosse um partido da oposição”, ou “como um inimigo político”. Sócrates disse “compreender a moção de censura do PS”, que foi “marginalizado” por um Governo que fez “sete mudanças” no memorando.
José Sócrates assinou ontem o primeiro comentário na RTP, tecendo fortes críticas ao primeiro-ministro, na ressaca no chumbo do Tribunal Constitucional, com Cavaco Silva como alvo, por não ter solicitado a fiscalização preventiva do Orçamento de Estado.
Neste comentário, Sócrates lamentou a forma como Passos Coelho lidou com o Tribunal Constitucional (TC)
“O primeiro-ministro disse coisas impensáveis sobre o Tribunal Constitucional. Disse que punha em causa a credibilidade do país, que punha em causa os esforços dos portugueses. Chegou a dizer que compromete a manutenção de Portugal no euro. Só faltou dizer que o Tribunal Constitucional traiu os interesses do Governo. Ao transformar o Tribunal Constitucional num inimigo político, o primeiro-ministro comete um erro grave”, defende José Sócrates.
O antecessor de Passos Coelho entende a inconstitucionalidade do Orçamento de Estado resulta de um “erro do Governo e não do tribunal, que foi muito tolerante, já no ano passado”.
Mas José Sócrates recuou no tempo, lembrando que “nenhuma destas medidas consideradas agora inconstitucionais foi falada pelo primeiro-ministro, durante a campanha eleitoral, no momento em que se apresentou aos portugueses com um programa que – dizia – estava ‘muito bem estudado’ e ‘resolveria os problemas’”.
“Lembro-me também de o primeiro-ministro achar estas normas agora chumbadas um ‘total disparate’, dizendo aos portugueses que nunca lhe passaria pela cabeça aplicá-las. E assinalo que nenhuma destas medidas constava do memorando original e são da exclusiva responsabilidade do Governo, que optou por elas, sabendo que correria riscos”, afirmou Sócrates, na RTP.
O ex-primeiro-ministro colocou uma pergunta: “Será que este Governo é capaz de fazer um orçamento constitucional? É que já fez dois e ambos foram declarados inconstitucionais. E isto deve ter uma implicação política”.
Passos Coelho não pode, segundo Sócrates, persistir nestas políticas e acha a decisão do TC inevitável: “Nenhuma Constituição do mundo democrático poderia abdicar do princípio da igualdade e da proporcionalidade. O problema não é da Constituição. É da governação. O Governo não consegue governar com a Constituição.
Às críticas ao Governo juntam-se elogios aos juízes do Tribunal Constitucional, que “foram tolerantes com o Governo” e “tomaram uma decisão com coragem”, afirmando que “nenhuma lei pode violar a Constituição”. “Passos Coelho precisa de uma cultura democrática e constitucional um pouco mais apurada”, disparou ainda José Sócrates.