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Saúde marcada por “inércia” governativa mas com SNS “bem melhor” do que muitos dizem

O setor da saúde foi marcado nos últimos anos por uma inércia de governação, muito baseada em gestão corrente, perdendo-se meses em “retórica e taticismo” e deixando reformas por concretizar.

A conclusão consta de uma análise que é feita no Relatório da Primavera 2019, que hoje será divulgado em Lisboa pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde, organismo composto por investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde.

O documento sublinha que “o SNS está bem melhor do que muitos pretendem fazer crer”, mas refere que, em termos governativos, “pouco foi acrescentado à herança do Governo anterior”.

“À falta de dinheiro”, a tática do atual executivo passou por fazer uma “gestão corrente do setor”.

Na análise da governação na saúde, o Relatório da Primavera recorreu à opinião de três pessoas do setor, com posicionamentos ideológicos distintos: Cipriano Justo, Leal da Costa e Ana Jorge, explicou à agência Lusa o porta-voz da coordenação do documento, Rogério Gaspar.

O documento sugere que o setor da saúde se encontraria hoje em “piores condições do que quando foi herdado do anterior Governo” caso não fossem as movimentações da sociedade civil e do setor, fora do Ministério da Saúde.

No Relatório da Primavera, a que a agência Lusa teve acesso, considera-se que “o que fica para memória futura é manifestamente pouco”, quer quanto à reforma do SNS, quer quanto à Lei de Bases da Saúde.

A sustentação financeira do SNS no imediato acabou por dominar as preocupações e orientações políticas do atual Governo, “em detrimento da sustentabilidade técnica, estrutural, humana e financeira a longo prazo”.

“Quando o primeiro-ministro deu conta do que se estava a passar, tinham-se passado três anos e a equipa da saúde do seu Governo não mostrava capacidade de liderança para gerir a política de saúde”, refere o médico e investigador Cipriano Justo no primeiro capítulo do relatório, aludindo à substituição do antigo ministro Adalberto Campos Fernandes por Marta Temido, que entrou para o Ministério em outubro do ano passado.

Do tempo de Campos Fernandes ficou a decisão de nomear uma comissão para propor uma nova Lei de Bases da Saúde, mas “já no limite do admissível”.

“A um ano de eleições para o parlamento e com uma herança particularmente turbulenta, à nova equipa [do Ministério] faltava-lhe tempo para equacionar e acomodar as medidas que em devido tempo não tinham sido tomadas nem consideradas. Restava-lhe resolver os conflitos laborais e gerir politicamente a revisão da Leu de Bases da Saúde”, afirma.

A propósito de reformas por concretizar e nomeadamente sobre a Lei de Bases da Saúde, o documento indica que se perderam meses “a mais em tergiversações, retórica e taticismo”.

“Se a lição tiver sido suficientemente aprendida, o próximo ciclo governamental pode ser aproveitado para, de uma vez por todas, se procederem às mudanças que há anos batem à porta”, indica Cipriano Justo.

No mesmo capítulo sobre a governação do SNS, Leal da Costa, médico e antigo governante do anterior executivo PSD-CDS, refere que “o SNS está pior”, porque a procura é “muito superior à sua capacidade de resposta”, muito pelo impacto de uma população mais envelhecida.

Contudo, Leal da Costa assume que o estado do SNS será “ainda bem melhor” do que muitos acreditam: “O estado do SNS, provavelmente ainda bem melhor do que nos querem fazer acreditar em cada momento, sejam as oposições – em particular quando é de esquerda –, os meios de comunicação social ou as opiniões avulsas de casos isolados, mas seguramente pior do que os governos e governantes imaginam, precisa de cuidados contínuos e de aperfeiçoamentos constantes”.

Também Ana Jorge, médica e antiga ministra de um governo socialista, assume que “o SNS está em forte crise”, apontando os recursos humanos como o principal desafio.

“Os profissionais de saúde têm de voltar a ter orgulho de trabalhar no SNS”, refere a antiga ministra no Relatório da Primavera, manifestando preocupação com a desilusão que os profissionais sentem com o serviço público.

Aliás, nas conclusões do Relatório destacam-se os profissionais como o desafio primordial do SNS, apontando para a necessidade de “remunerar a qualidade” e recompensar as boas práticas.

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