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Saramago na base de peça que Tiago Rodrigues estreia na Royal Shakespeare Company

Duas obras de José Saramago são o ponto de partida para “Blindness and Seeing”, a peça que o ator, dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues estreia em 01 de agosto de 2020, na companhia inglesa Royal Shakespeare Company.

A informação foi divulgada hoje à imprensa pelo Teatro Nacional D. Maria II, onde Tiago Rodrigues é diretor artístico, depois de ter sido avançada na edição de hoje do matutino Público.

A peça que o artista português irá estrear naquela companhia com sede em Statford-Upon-Avon, terra natal do autor inglês, trata-se de uma dramaturgia própria a partir da adaptação dos romances “Ensaio sobre a lucidez” e “Ensaio sobre a cegueira” – ambos de José Saramago – e com a qual Tiago Rodrigues abre uma iniciativa designada Projekt Europa, daquela companhia inglesa, que congrega uma seleção espetáculos, colaborações e atividades, a realizar, em 2020, em duas salas da companhia – Swan Theatre e The Other Place.

“Blidness and Seeing” estará em cena, no Swan Theatre, até 26 de setembro de 2020, com interpretação de atores daquela companhia inglesa, ainda que a equipa técnica, que deverá estar concluída até dezembro deste ano, vá incluir portugueses, avançou à Lusa o diretor artístico do D. Maria II.

Este projeto resulta de um diálogo iniciado há mais de um ano com a companhia inglesa que, na altura, pretendia que o criador português pudesse explorar a “ideia das grandes narrativas europeias continentais” e isso, de alguma forma, “fizesse eco” com o trabalho daquela companhia em torno das grandes histórias da literatura inglesa.

Tiago Rodrigues acabou a propor à companhia uma adaptação daqueles dois livros do Prémio Nobel da Literatura 1998, pela atualidade que “Ensaio sobre a lucidez” representa para a sociedade portuguesa, “com os governos a isolarem-se da cidade, o aumento de votos em branco, o aumento da abstenção, etc”.

Contudo, o ator e dramaturgo considera que se na atualidade se chegou a este estado é porque um passado próximo, nomeadamente com a crise que Portugal atravessou, se acabou por viver numa “selvajaria de cegueira” que, quatro anos mais tarde, acaba por se traduzir numa espécie de boicote às eleições que coloca em causa a representatividade democrática.

As duas obras de Saramago acabam também, para Tiago Rodrigues, por se aplicar à atualidade da sociedade inglesa, nomeadamente com a situação ´kafkiana` em torno do Brexit além da crispação e que têm pautado o debate político deste século XXI que tem caminhado, cada vez mais, no sentido da polarização, frisou.

Tiago Rodrigues, que está ainda a trabalhar na adaptação das obras, pensa partir de “Ensaio sobre a lucidez”, por ser interessante e lhe “ter parecido uma notícia de hoje; uma atualidade” enquanto o “Ensaio sobre a cegueira lhe parece “história”.

“Ou seja, parece-me algo do passado que provoca a atualidade em que vivemos”, observou.

Se “olharmos para a Europa hoje, se olharmos para o Reino Unido hoje, a ideia da representatividade, o problema político e o fosso entre os eleitos políticos, o poder político e económico e as pessoas, o povo, tem origem em qualquer coisa que é um passado histórico que o José Saramago metaforizou em uma epidemia de cegueira”, sublinhou.

Pelo que “Ensaio sobre a lucidez” “podia passar como o presente” e “durante aquela metáfora, alegoria do presente que toda a gente vota em branco, em que há um abismo entre os eleitos e os eleitores”, observou.

“Houve no passado, há quatro anos, aquela epidemia de cegueira e tentamos perceber até que ponto é que ela poderá ser causa deste efeito que é a realidade em que vivemos”, enfatizou.

Esta é a primeira abordagem que Tiago Rodrigues pensou para a adaptação, ainda que com a continuação do trabalho não esteja certo se vai apenas por aí, admitiu à Lusa.

O trabalho de um artista europeu – da Europa continental – que vai trabalhar para o Reino Unido, comportaria sempre um olhar sobre a Europa de hoje e estas obras de Saramago terão sido muito atuais quando foram escritas, mas a história provou que foram mais “proféticas”, sustentou Tiago Rodrigues.

Por isso, estas obras “são mais atuais hoje do que quando foram publicadas”, defendeu, alegando que falam da Europa hoje, da relação da Europa com o Reino Unido e do que está a acontecer no Reino Unido.

A iniciativa Projekt Europa, da Royal Shakespeare Company, inclui também novas criações de outro artistas europeus, nomeadamente “Europeana”, de Maria Åberg, e “Peer Gynt”, de Barbara Frey, sete monólogos redigidos por escritores europeus em ascensão, uma colaboração única entre a RSC Next Generation ACT – uma companhia jovem composta por estudantes dos 12 aos 16 anos – e o encenador sueco Mattias Andersson, e um conjunto de eventos e debates à volta do tema Europa.

Diretor artístico do D. Maria II desde 2015, Tiago Rodrigues trabalha como ator e criador há mais de 20 anos, procurando, nas suas criações, a transformação poética da realidade através da utilização das ferramentas teatrais. Em 2018 foi galardoado com o XV Prémio Europa Realidades Teatrais.

Quanto à possibilidade de trazer a Lisboa o projeto que vai dirigir para a companhia inglesa, Tiago Rodrigues admite que tal pode vir a acontecer.

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