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Primeiro transplante cardíaco foi há 30 anos e valeu ameaças de morte ao cirurgião

transplante cardiacoFoi há 30 anos que Queiroz e Melo liderou a equipa que realizou o primeiro transplante cardíaco em Portugal. “Foi algo que no nosso país ainda é raro: perceber que o progresso em medicina se faz com trabalho em equipa”, sustentou o cirurgião que recebeu ameaças de morte.

A 18 de fevereiro de 1986, uma equipa médica do Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, realizava um transplante cardíaco. O que agora parece banal foi, à data, uma estreia.

Coube ao cirurgião Queiroz e Melo liderar a equipa num procedimento tão inédito como polémico, num tempo que até a colheita de órgãos gerava controvérsia.

“A comunidade médica, quase toda, apoiou maciçamente e ficou entusiasmada. A sociedade civil também, mas nem todos. Recebi ameaças de morte em casa, cartas anónimas. Durante uns 15 dias, três semanas olhava para um lado e para o outro quando saia de minha casa para ver se havia algum suspeito”, lembrou o cirurgião, agora reformado, numa entrevista à agência Lusa.

A polémica era tanta que o nome de código da operação foi ‘rebatizado’ de Transplantação Cardíaca para Teresa Costa. Leonor Beleza, então a ministra da Saúde, só soube do feito à meia-noite porque viu a notícia da intervenção cirúrgica no telejornal.

A propósito das três décadas da cirurgia inédita, Queiroz e Melo, que então tinha 41 anos, recordou o ambiente que se viveu: “Foi algo que no nosso país ainda é raro e que na altura era raríssimo, perceber que o progresso em medicina se faz com trabalho em equipa. Não é um ‘one man show’, é um trabalho de grupo e não de grupos na mesma especialidade”.

O que agora é um procedimento comum foi, à época, “um passo natural no tratamento de doentes que então, como agora, são os mesmos”, ou seja, pessoas com insuficiência cardíaca e que “não têm outro tipo de tratamento”.

A paciente a receber o transplante chamava-se Eva Pinto, que viveu mais dez anos.

Já o coração foi doado em Coimbra, tendo sido transportado para Lisboa num helicóptero.

Os “deuses” do bisturi

“Era o top da cirurgia cardíaca. Toda a gente queria transplantar. Eram os deuses. O cirurgião que transplantasse tinha a vida nas mãos”, comentou José Neves, o atual diretor do serviço de cirurgia cardiotorácica do Santa Cruz que era, nesse ano de 1986, um interno de 32 anos.

“Tive a sorte de assistir e entrar como terceiro ou quarto ajudante na primeira cirurgia de transplantação no país”, que foi realizada numa “sala cheia de gente” e com “tudo a acontecer ao mesmo tempo”, recordou.

“As pessoas sentem”

“Um doente que precisa de ser transplantado sente-o e não é preciso convencê-lo. As pessoas sabem que vão morrer, sentem que vão morrer. Têm uma qualidade de vida péssima e, quando lhes é dada oportunidade, não hesitam”, esclareceu Queirós e Melo, quando convidado a recordar a paciente.

“A doente em causa era uma senhora de fé, de grande misticismo, acreditava muito na vida. Esse foi um não problema”, afirmou.

O feito foi tão importante que ontem foi evocado, numa cerimónia especial, pela Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT).

“Comemorar 30 anos de transplantação cardíaca é uma oportunidade para mostrar a nossa admiração pelo pioneirismo e a coragem da equipa de Queiroz e Melo, numa altura em que a medicina não estava de forma nenhuma tão desenvolvida como hoje”, adiantou Fernando Macário, presidente da SPT.

“Podemos celebrar o primeiro transplante que permitiu o arranque, e que foi de uma coragem enorme, e celebrar a forma como trabalham as equipas de transplantação cardíaca, permitindo dar resposta à quase total das necessidades de transplante cardíaco em Portugal”, complementou o dirigente.

Em Portugal, 51 pessoas receberam um coração transplantado só no ano passado, o que levou Fernando Macário a elogiar “a grande qualidade com que as unidades de transplantação cardíaca estão a trabalhar em Portugal”.

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