Nas Notícias

Precários da U. Porto desesperados com chumbo no PREVPAP começam a emigrar

*** Por Cecília Malheiro (Texto) e André Sá (Vídeo), da Agência Lusa ***

Porto, 21 mar (Lusa) – Sacrifício pessoal, resiliência durante décadas, sentimentos de impotência sobre as políticas para a investigação científica e a emigração são algumas das armas usadas pelos investigadores e professores da Universidade do Porto (U.Porto) para combater a precariedade.

“Senti-me, de certa maneira, coagido pela situação. Não pela Universidade do Porto em si, mas senti que a situação em Portugal era crónica, não vi luz ao fundo do túnel, não vi medidas a serem estabelecidas e, portanto, apesar do meu esforço e do meu investimento e dedicação (…) chegava ao fim da linha”, desabafou Pedro Figueira, 35 anos, astrónomo que trabalhou nos últimos oito anos no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto e que emigrou para o Chile.

Formado em Física, especializado em astronomia pela Universidade de Lisboa e com doutoramento no Observatório de Genebra (Suíça) em 2010, Pedro Figueira está a trabalhar no European Southern Observatory (ESO), uma organização intergovernamental de pesquisa consagrada pela construção e operação de alguns dos maiores e mais avançados telescópios baseados no planeta Terra devido à situação de “grande instabilidade” da ciência em Portugal.

Assume que decidiu ir para o Chile depois de ver chumbado pela Universidade do Porto o requerimento para o Programa de Regularização Extraordinária dos vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP).

“Fiz o pedido para o PREVPAP antes de vir para o Chile e foi a decisão da Universidade do Porto de forma absolutamente perentória de excluir os centros de investigação uma das razões que me fizeram perder toda a esperança no sistema português, tal como está instituído”, explica o astrónomo, considerando que o País está a formar pessoas, para as “entregar à sua sorte”.

Nós não temos estratégia científica em Portugal. Isto é muito mais profundo do que o PREVPAP, é a maneira como respeitamos o trabalho dos investigadores e a maneira como respeitamos a ciência em Portugal ou não, porque o país, simplesmente hoje em dia não está a respeitar a maneira como fazemos ciência”.

“Em Portugal só existe instabilidade. Em Portugal não existe um objetivo de fixação, não existe um objetivo de independência. Os investigadores vivem toda a sua vida laboral em contratos a curto termo, em instabilidade, dependentes do Estado e basicamente somos impotentes perante esse género de decisões”, assume, referindo que o reitor da Universidade do Porto está a ter uma reação “muito comezinha” e “paroquial” face a um problema nacional.

A U.Porto chumbou recentemente a maioria dos requerimentos ao PREVPAP de centenas de investigadores e professores.

Isabel Gomes, 40 anos, bolseira na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.Porto, assume-se como precária, porque uma “bolsa não é um vínculo laboral” e também admite ter pensado em emigrar para um país nórdico, onde o seu doutoramento e experiência fossem valorizados e só não o faz devido à situação familiar.

“O que acontece com esta massa de pessoas que estão neste momento na mesma situação que eu a concorrer ao PREVPAP e que lutam pela regularização dos seus vínculos é que elas só sobrevivem à custa de uma resiliência muito grande e do sacrifício das suas vidas pessoais, porque não tendo os seus direitos laborais assegurados, estão sujeitas a condições altamente precárias e não têm horizonte”.

Isabel Gomes defende que “é preciso dignificar o trabalho” e “os trabalhadores que se encontram com vínculo precário e que são a vida, a alma e a ação das instituições” e deixa um apelo ao reitor da U.Porto para que reconheça a “importância dos trabalhadores precários”.

Margarida Cunha, 46 anos, trabalha no Centro de Astrofísica da U.Porto, é licenciada em Física Matemática Aplicada, orienta alunos de doutoramento e de mestrado, viu negado o requerimento ao PREVPAP e só não emigra, porque tem duas filhas e um marido com um emprego estável.

“São 20 anos de vínculo precário, sempre com diferentes contratos”, assume Margarida Cunha, que ingressou na U.Porto em 1999.

“Sinto que isto é um erro tremendo do ponto de vista do país e do Estado, porque essa estabilidade é importante também para a ciência que se faz e para que Portugal possa ter papéis relevantes lá fora em missões que estamos envolvidos que são feitas a 10, 15, 20 anos. Sem estabilidade, os nossos parceiros internacionais olham para nós e dizem aquela pessoa não pode liderar nada, porque não nos dá garantia de nos próximos 10, 15, 20 anos, que é o tempo que dura o projeto, e pode-nos falhar a qualquer momento”, conclui Margarida Cunha.

A U.Porto foi fundada a 22 de março de 1911, celebrando o seu 108.º aniversário na próxima sexta-feira, com uma cerimónia onde se prevê a presença do Presidente da República.

Em destaque

Subir