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PR são-tomense alerta para “consequências gravosas” de decisões do parlamento sobre justiça

O Presidente são-tomense advertiu para as “consequências gravosas” para a justiça e credibilidade do país da anulação da nomeação de juízes do Tribunal Constitucional e da recondução de juízes do Supremo Tribunal de Justiça, aprovada pelos deputados na sexta-feira.

Na sexta-feira, o parlamento são-tomense aprovou, através de dois projetos de resolução, a recondução dos quatro juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) afastados no mandato anterior, e a cessação de funções dos juízes conselheiros do Tribunal Constitucional (TC), criado na anterior legislatura.

Numa carta remetida esta sexta-feira ao presidente da Assembleia Nacional, Delfim Neves, a que a agência Lusa teve acesso, o chefe de Estado de São Tomé e Príncipe, Evaristo Carvalho, menciona que os autores das resoluções consideram “ter havido erros” nas decisões anteriores, e considera “de bom senso” que “não se corrija um erro cometendo outro de consequências inquestionavelmente gravosas para os desígnios da nação, mormente no que respeita à administração da justiça e da credibilidade do país, tanto no plano interno como internacional”.

Os dois projetos de resolução foram aprovados com 28 votos a favor do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe – Partido Social Democrata (MLSTP-PSD) e da coligação PCD-UDD-MDFM – forças que suportam o novo Governo do país – e 19 contra, sendo 17 da Ação Democrática Independente (ADI) – partido que até às eleições de outubro liderou o Governo – e dois do Movimento Caué. Sete deputados do ADI estavam ausentes da sessão parlamentar.

Na carta, o Presidente adverte que, neste início de legislatura, pretender “reverter tudo o que foi feito pode lançar a semente de uma instabilidade que poderá marcar negativamente a sociedade [são-tomense] e a própria democracia, gerando uma insegurança institucional, que doravante se configurará em função das maiorias periódicas, ocasionais ou circunstanciais de cada eleição”.

Evaristo Carvalho considera que, na anterior legislatura, o Tribunal Constitucional foi “correta e pertinentemente autonomizado (…), corrigindo uma inconstitucionalidade por omissão, que vigorou durante cerca de catorze anos” e que criava “uma grande promiscuidade orgânica, insegurança jurídica e incertezas nas legítimas aspirações de justiça dos cidadãos”.

Além disso, os juízes conselheiros do TC “foram selecionados por concurso público aberto”, cumprindo uma lei aprovada por uma maioria de 60 por cento do anterior parlamento, indica o Presidente.

O chefe de Estado adverte ainda que “o regresso ao ‘statu quo ante’ no que ao Tribunal Constitucional diz respeito constitui indubitavelmente um retrocesso para a democracia [do país] e para a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

Além disso, avisa Evaristo Carvalho, o TC “acabou de validar o resultado das eleições legislativas” de 07 de outubro passado, o que “conferiu legitimidade formal à atual Assembleia Nacional e, consequentemente, ao Governo”.

“Não exageraria nos meus propósitos se afirmasse aqui que esta pretensão [revogação do Tribunal Constitucional] equivaleria a um golpe de morte a todo o processo eleitoral, cujos candidatos, partidos, coligações e demais grupos concorrentes, bem como o resultado final, foram confirmados e validados por um tribunal que agora se considera inexistente”, sublinha o Presidente.

Na prática, refere, o país ficaria remetido “à situação política em que o país se encontrava na véspera do prazo de encerramento das candidaturas às eleições legislativas de 07 de outubro passado”, refere ainda.

Em 04 de maio, o parlamento são-tomense aprovou com 31 votos a favor e seis contra um projeto de resolução que “exonera e aposenta compulsivamente” três juízes, incluindo o presidente, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Os juízes em causa são Silva Cravid, presidente do STJ, e os juízes conselheiros Frederico da Gloria e Alice Vera Cruz, todos que decidiram em acórdão sobre a devolução da Cervejeira Rosema ao empresário angolano Mello Xavier.

Poucos dias depois, um quarto juiz, Silvestre Leite, foi igualmente exonerado e reformado por se solidarizar com os seus colegas.

A resolução parlamentar aprovada esta sexta-feira considera a anterior, sobre as exonerações do STJ, como “ilegal e inconstitucional”, e “reintegra imediatamente no pleno exercício das suas anteriores funções, usufruindo de todos os direitos e regalias inerentes ao exercício dessas funções, incluindo todas aquelas regalias que deixaram de receber” todos os juízes conselheiros anteriormente afastados.

Além disso, obriga a que os juízes conselheiros Roberto Raposo, Eurídice Fernandes Pina Dias, Frederico Samba e Leopoldo Machado Marques, nomeados pelo anterior parlamento, “cessem” as funções, de juízes conselheiros do STJ, perdendo todos os direitos e regalias inerentes às funções.

A resolução, com efeitos imediatos, surge por iniciativa de um grupo de cinco deputados do MLSTP e da coligação PCD-UDD-MDFM.

A segunda resolução revoga a que nomeou os cinco conselheiros do TC – José da Vera Cruz Bandeira, Carlos Olímpio Stock, Kótia Solange Menezes, Fábio Sardinha Espírito Santo e Jonas Gentil de Ceita -, considerando que a anterior maioria “atropelou princípios constitucionais para erguer um Tribunal Constitucional em que os juízes conselheiros fossem concebidos à imagem e semelhança da maioria política que os indigitava”.

A todos esses foram igualmente retirados os direitos e regalias inerentes às funções que ocupam.

O Presidente alerta que, no âmbito do princípio constitucional de separação de poderes e de competência, “não cabe à Assembleia Nacional aferir a legalidade das normas (violação da lei), nem tão pouco apreciar a inconstitucionalidade de quaisquer normas”, funções que, segundo a Constituição, competem aos tribunais.

A resolução aprovada orienta ainda a Assembleia Nacional para, num prazo de 30 dias, eleger novos juízes conselheiros para o TC, tomando em consideração “a proporcionalidade da representação parlamentar”.

Até lá, o Supremo Tribunal acumula as funções do TC, e funciona com cinco juízes: três do STJ, um eleito pelo parlamento e outro nomeado pelo Presidente da República.

O debate parlamentar para a aprovação das duas resoluções foi marcado por confronto verbal e acusações pessoais entre deputados da maioria (MLSTP e coligação PCD-UDD-MDFM) e da oposição (ADI).

Fonte do gabinete do presidente da Assembleia Nacional disse à Lusa ter conhecimento da carta enviada por Evaristo Carvalho, mas remeteu quaisquer comentários para segunda-feira.

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