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Portugueses na Beira afluem a consulado para vacinação por causa da cólera

A comunidade portuguesa na Beira aderiu em massa à vacinação patrocinada por Portugal, especialmente devido à cólera, doença desvalorizada por José Arsénio, o português incontactável que mais preocupava os militares e resgatado esta semana.

No consulado de Portugal na Beira, no primeiro dia de vacinação, muitas dezenas de portugueses já esperavam as vacinas antes mesmo de se iniciar o processo, na manhã de sexta-feira.

Entre eles estava José Arsénio da Fonseca, um português que preocupava as autoridades portuguesas por ter estado incontactável até esta semana, desde o ciclone Idai. Mas José Arsénio, conhecido por Sequeira, que era o nome do pai, apenas quer ir para casa.

Estão a fazer o quê? Perguntou à Lusa, acrescentando depois, num encolher de ombros: “Cólera? Sempre houve cólera aqui”.

José Arsénio foi questionado pelos militares que estavam a promover o processo de vacinação dos portugueses se também ele não se queria vacinar, mas recusou sempre. À Lusa disse que apenas queria que o voltassem a levar para casa, de onde o tiraram na quarta-feira.

As vacinas que chegaram para a comunidade portuguesa são 600 conjuntos, cada um incluindo a cólera, mas também a poliomielite, o sarampo, a rubéola, a difteria, o tétano, a febre tifoide e a hepatite A, como explicou à Lusa o major farmacêutico João Roseiro, responsável pelo circuito da vacina até à Beira.

As vacinas “fazem parte de um plano de vacinação que foi criado para os residentes em Moçambique, na região da Beira, fruto do ciclone”, que foi preparado em Portugal, “juntamente com o Hospital da Forças Armadas e o Laboratório Militar”, disse o responsável do Exército à Lusa, admitindo que se for necessário está previsto o envio de mais vacinas para a cidade.

João Roseiro diz que a mais importante no momento é a vacinação contra a cólera, já com 271 casos só na cidade da Beira, segundo os últimos números oficiais. “Apelamos a que todos os portugueses façam a vacinação”.

Nilsia Gomes foi uma das portuguesas que respondeu ao apelo e que, com o marido e dois filhos, contribuiu para uma sala cheia no consulado de Portugal. Foi o consulado que informou da iniciativa e mal abriram portas lá estava com dois filhos, os outros dois a irem também depois da escola.

“Não tínhamos cá na Beira, nunca ouvimos falar sobre a vacina da cólera, é a primeira vez que nos estamos a prevenir”, disse à Lusa, explicando que ela, marido e filhos têm outras das vacinas do “pacote” e que estavam ali essencialmente por causa cólera.

“A cólera é a maior preocupação, principalmente para as crianças, que são mais vulneráveis”. E depois, no bairro onde vive, há casos de diarreia e mesmo o filho queixa-se de dores de barriga.

José Aguiar, empresário de venda de equipamentos para construção civil e outro dos portugueses já vacinados, não se queixa de dores de barriga, mas avisa que se algum dos seus empregados tem diarreia é “imediatamente suspenso e mandado ao médico”, de preferência a uma clínica particular, porque “os hospitais estão saturados”.

Aguiar já tem a maior parte das vacinas, levou o reforço de algumas, mas também diz que a cólera era a mais importante. “Apesar de já ter todos os cuidados necessários, como não utilizar água da rede pública” e nos contactos físicos com outras pessoas.

“Se não tivesse vindo cá de certeza que ia a Maputo tomar a vacina para estar em segurança”, garantiu à Lusa.

O mesmo para Nilsia, que vai para casa “muito mais descansada, principalmente pelas crianças, que brincam por aí”.

José Arsénio da Fonseca também queria ir para casa descansado. Mas não consegue. Retirado por fuzileiros portugueses de um lugar a 30 quilómetros de Buzi, um distrito que esteve isolado devido às cheias provocadas pelo ciclone Idai, apresentado como o português que mais preocupava as autoridades por não estar contactável, não esconde a contrariedade por estar ali.

Questionado pela Lusa porque não vai de barco até Buzi responde com enfado, como se já o tivesse feito várias vezes, que vive a 30 quilómetros de Buzi, que o trouxeram para a Beira por via aérea e que é assim que o deviam pôr em casa.

“Estou a tentar que me levem de helicóptero, de Buzi para lá são 30 quilómetros”. Na Beira é que não fica, nem que “peça boleia de bicicleta” até Bandua, a casa de onde os fuzileiros o foram tirar e onde tem a mulher à espera.

O antigo trabalhador da Açucareira do Buzi diz que perdeu os produtos agrícolas com as cheias, que tem muito trabalho. Mas diz também que o ciclone não lhe danificou a habitação e que a água só lhe chegou ao “segundo degrau da casa”.

Para a casa que quer ir agora. Porque cólera sempre houve ali e ele só tem tensão alta.

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