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A pegada de sangue, a mais poderosa foto dos incêndios

Uma pegada de sangue, numa linha contínua na berma da estrada, guarda uma história de terror. O fotógrafo André Campos Gouveia, da Global Imagens, registou a imagem de uma dolorosa fuga. Falámos com o autor da mais poderosa foto dos incêndios.

Não é comum um fotógrafo ser notícia. Não é comum e é uma injustiça, sobretudo quando a imagem nos conta tanto.

André Campos Gouveia é fotógrafo da Global Imagens e criou um registo notável, do ponto de vista profissional, e perturbador, pela história que aquele clique nos conta.

Trata-se de uma pegada ensanguentada, numa linha contínua da estrada, em Catraia de São Paio, Oliveira do Hospital. Uma marca que regista no solo uma história de sobrevivência, com um lado trágico.

O Jornal de Notícias deu a notícia em primeira mão, na noite de domingo. Uma pessoa morrera (mais uma), num acidente rodoviário, durante uma fuga de automóvel. Estavam confirmadas poucas vítimas. Aquela seria a quinta.

A pegada de sangue permite-nos perceber a dimensão de toda a tragédia, a tragédia dos fogos de domingo, e a tragédia de uma família. Cristiana e Márcio, um casal com idade que ronda os 40 anos, seguiam com a filha adolescente, de carro, por entre um mar de chamas.

O pai e a filha conseguiram fugir. Cristiana morreu. Ficou prostrada no chão, a poucos metros da pegada deixada naquela linha contínua, pela adolescente.

Aquela marca regista a fuga dolorosa, o desespero de quem corre sem poder.

E o que nos conta André Campos Gouveia, o fotógrafo que registou a mais poderosa imagem dos incêndios? Conta-nos tudo o que não ficou registado na sua obra.

“Tudo começou com um telefonema inesperado do meu editor, que disse que eu tinha de ir para Oliveira do Hospital. Não estava à espera, pois não é a minha zona de trabalho e tive de fazer uma viagem de duas horas quase”, revela.

André tinha a noção da tragédia e da dimensão história que teria de contar. Mas acabou por ser surpreendido pela realidade.

“Mais perto do local, comecei a deparar-me com as consequências do incêndio e comecei a ficar frio. Um verdadeiro caos. Tudo ardido, quilómetros e quilómetros de um cenário devastador. Não havia rede e eu sabia que a minha tarefa não ia ser fácil”.

Juntamente com a jornalista do Jornal de Notícias destacada para o local, Salomé Filipe, começaram os contactos com a população e a tomada de consciência do sofrimento das pessoas.

“Não sou insensível, mas tenho uma postura oposta. É a minha proteção. Mas não estava a conseguir ser indiferente e os sentimentos estavam a afetar o meu trabalho”, conta.

“Ouvi depoimentos de familiares das vítimas ou gente chegada que não me deixaram reagir e não fotografei. Estava a ser perturbado pelo sofrimento das pessoas. E foi aí que disse a mim mesmo que o melhor que conseguia fazer era fotografar”, relata ainda.

André Campos Gouveia e Salomé Filipe ouviram vários depoimentos. Ao final do dia, souberam de um acidente que tinha provocado pelo menos uma vítima.

Foto de André Campos Gouveia (Global Imagens)

“Tínhamos a pressão de enviar o material para a edição do jornal. Demos com o local e eu tentei ilustrar o ocorrido. Ainda não sabia a história, mas comecei a fotografar. Os carros incendiados, o mato ardido”, revela.

Até que se aproxima da pegada: “Podia ter ficado por aí, mas quer eu quer a Salomé quisemos sempre mais, a fim de enriquecer o trabalho. Fomos descendo estrada fora… Falámos com diversas pessoas e um senhor disse que duas pessoas tinham conseguido fugir do carro e vinham à procura de socorro”.

“O pai agarrava a filha que descia estrada a baixo, já ambos queimados e descalços. Só de ouvir e imaginar já estava arrepiado. O senhor continua a falar e eu ausentei-me. Ele tinha dito que havia vestígios de pegadas e eu fui ver. E lá estavam elas! As pegadas… Só fiz três fotos, as últimas do dia”, narra André Campos Gouveia, num relato ao PT Jornal.

“Senti um enorme arrepio, porque só de olhar conseguia sentir em parte tudo o que tinha acontecido ali”.

Havia pegadas visíveis mesmo no alcatrão escuro. Nenhuma tão reveladora como a que é registada naquela linha contínua.

Em Oliveira do Hospital, morreram sete pessoas.

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