Nas Notícias

Obrigar anaconda a engolir um homem não é ciência, dizem os críticos de Rosolie

nao engolido Continuam as críticas ao documentário ‘Eaten Alive’, no qual Paul Rosolie prometia ser engolido vivo por uma anaconda e filmar no interior. Os cientistas alegam que “obrigar” uma espécie, neste caso uma cobra, a engolir um humano “não é ciência”: é apenas “estúpido”.

Paul Rosolie anunciou, no início de novembro, que ia protagonizar um documentário inédito: ia ser engolido vivo por uma anaconda, num “fato à prova de cobra”, e filmar o interior do animal, fazendo-se depois vomitar para poder mostrar o resultado. O problema do cineasta, que depois se transformou no problema do canal Discovery Channel, é que a anaconda recusou-se a engolir o humano, deixando os espetadores frustrados com o ‘final feliz’ da aventura.

O tão ansiado documentário, exibido no domingo pelo Discovery Channel: com duas horas de duração, teve a primeira hora e meia dedicada à procura de uma anaconda, numa floresta da Amazónia. Restava a meia hora final, durante a qual todos esperavam ver, pela primeira vez, uma anaconda a engolir um humano. Só que a cobra apenas envolveu Paul Rosolie num abraço que seria mortal se não tivesse sido interrompido pela produção.

“O meu braço está a torcer e vai partir. Estou a avisar, preciso de ajuda”, chamou o cineasta, levando os colaboradores a intervir para aliviarem o abraço da cobra. O socorro tornou-se complicado porque Paul Rosolie se tinha besuntado com sangue de porco, de forma a tornar-se mais ‘saboroso’ para a anaconda o engolir.

O final do documentário ‘Eaten Alive’, que significa ‘comido vivo’, frustrou as expetativas de quem, ao longo de um mês, foi acompanhando os ‘teasers’ que mostravam excertos do encontro entre cobra e humano, incluindo testemunhos do próprio Paul Rosolie sobre ter sido engolido vivo (e depois vomitado, ou não tivesse sobrevivido para terminar o programa…).

As críticas não tardaram. Em apenas alguns minutos, um tweet com a hashtag do programa resumia o sentimento geral após um programa visto mais de 30 milhões de espectadores: “Da próxima vez que assistir a um programa que se chame ‘comido vivo’ é bom que alguém seja mesmo comido vivo”.

Os comentários não se limitaram às redes sociais. Até jornais de prestígio, como o The Independent, abordaram a “desilusão”. Resumiu o The Guardian: “É uma pena que a promessa final do programa não tenha sido cumprida”.

Refira-se que Paul Rosolie, que se assume como “um naturalista do sul do Peru”, não é um desconhecido. Ainda no ano passado foi distinguido pela ONU, num concurso sobre florestas, pela curta-metragem ‘Um mundo nunca visto’. Ao anunciar um programa onde seria “engolido vivo por uma anaconda”, o cineasta fez relançar os debates sobre os limites dos documentários, em especial até onde pode e/ou deve ir o Homem na busca pelo entendimento das outras espécies.

“A regurgitação e o vómito são para evitar ao máximo quando estamos a tratar de cobras”, alertaram, durante novembro, vários especialistas, explicando que as anacondas sofrem para repor os fluídos que gastam para regurgitar (a partir do esófago) ou vomitar (desde o estômago). Existia também a possibilidade da anaconda não conseguir expulsar Paul Rosolie do interior, o que implicava uma cirurgia potencialmente fatal para abrir a cobra.

Falhada a intenção do documentário, mantém-se o debate: o interesse justifica a dor e a potencial morte do animal?

“Quando soube que iam emitir o programa, a minha primeira impressão foi que o Discovery Channel tinha batido no fundo. Temi que fosse a última machadada nos programas sobre a natureza na televisão”, comentou David Steen, um investigador da Universidade de Auburn que se tem especializado em cobras.

“Continuo sem entender como pode alguém alegar que este espetáculo seria bom para a conservação das anacondas. Há já tanta gente que tem um medo irracional de cobras que ser engolido vivo não me parece a melhor forma de credibilizar os esforços de conservação”, acrescentou.

Com uma frase, David Steen resumiu o espírito geral das críticas: “ser engolido vivo para depois se fazer vomitar não é ciência, é apenas estúpido”.

Depois de ver a ‘performance’ de Paul Rosolie, o investigador universitário apontou para o stress causado à anaconda: “A minha impressão é que a cobra estava a lutar em própria defesa. Não estava a tentar comê-lo, mas a responder a uma situação de stress. Lamento que tenha passado na televisão”.

Em destaque

Subir