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O que o vulcão do Fogo levou, o vulcão deu cinco anos depois

Aos 34 anos trocou França por Chã das Caldeiras, perdeu tudo na fúria do vulcão pouco depois, mas ao fim de cinco anos Letícia não arredou pé da ilha cabo-verdiana do Fogo e reconstruiu tudo com o marido.

“É como o meu marido sempre disse: O vulcão tirou-nos o trabalho, mas voltará a dar. E assim foi”, começou por contar, em conversa com a Lusa, Letícia Alfare Delorenzo, francesa de origem italiana, já com os movimentos limitados pelos seis meses de gravidez.

“Vai nascer aqui e será um filho do vulcão. Terá uma relação com esta terra como o seu pai”, garante, numa conversa que alterna com os afazeres de uma pensão repleta de turistas e com vista para o 2.829 metros do pico mais alto do vulcão.

Letícia trocou a França por Chã das Caldeiras, aldeia que fica a quase 2.000 metros de altitude, precisamente dois meses antes da erupção na ilha do Fogo, que se iniciou em 23 de novembro de 2014 para terminar apenas em 08 de fevereiro do ano seguinte.

Após o início da erupção, que começou a sentir, alertada pelo marido ainda durante a madrugada, passou a viver “um dia de cada vez”, enquanto tentavam esvaziar a pensão.

“Todo o dia esperava que a lava parasse, mas acabou por não parar. E quinze dias depois chegou à nossa casa. Perdemos tudo”, recorda, agora conformada com o susto que viveu há cinco anos.

Nas primeiras duas semanas a lava cobriu os cinco quartos da pensão turística Alcindo, que explorava em conjunto com o marido.

Letícia chegou em setembro de 2014, confessa, “com muitos sonhos e muita vontade” para a nova vida junto ao vulcão, mas ao fim de dois meses tudo parou: “O trabalho, o nosso futuro, os projetos”.

Numa aldeia em que antes viviam mais de 200 famílias, dependentes da agricultura e do turismo, quase tudo ficou tomado por um mar de lava.

Ainda assim, voltou Chã das Caldeiras, para respeitar a vontade do marido, de não deixar a terra: “Se o Alcindo decidiu regressar, não faz mal. Regressei também”.

Tal como o caso de Letícia e Alcindo, pelo menos 115 casas foram reconstruídas e as famílias foram regressando desde o fim da erupção.

A pensão que era também a sua casa e do marido perdeu-se, engolida pela lava solidificada que ainda cobre toda a aldeia, que segue aos poucos em reconstrução. Muitos meses depois, e após investir 150.000 euros de poupanças e apoios de amigos e familiares, a pensão Alcindo está de novo aberta, agora com nove quartos.

Alcindo, nome pelo qual é conhecido na terra o marido, João Pedro de Pina Silva, tem 36 anos. Nasceu e cresceu em Chã das Caldeiras e assistiu às duas últimas erupções. Em 1995 tinha apenas 11 anos e chegou a servir como guia nas operações. Em 2014 tinha inaugurado há poucas semanas o negócio da pensão, em conjunto com Letícia.

“Não foi só a construção, foi também a dedicação que tínhamos naquilo. Tinha sido inaugurada em agosto, para mim era um orgulho”, recorda.

Apesar de tudo, abandonar Chã das Caldeiras, assegura, esteve sempre fora de questão, por ser a sua terra e pelo fascínio que o vulcão sempre representou. Ao ponto de na última erupção tudo ter feito para ser o primeiro a chegar à cratera que se criou, chegando hoje a um pico de 2.089 metros.

“Desde os seis anos que estou em contacto com o vulcão. Acabei por o conhecer, conhecer o terreno, saber com o que estou a lidar, sem ter estudos”, explica, orgulhoso, enquanto aponta para o ponto mais alto do vulcão ou “Homem Grande”, como é conhecido da aldeia, a quase 2.900 metros de altitude.

Assume, ainda assim, mágoa pelas críticas de quem questiona o porquê da população de Chã das Caldeiras insistir em voltar, após cada erupção.

“Vivemos aqui porque somos daqui. Tudo o que sabemos fazer aprendemos aqui. Esse vulcão é um segundo deus para nós”, garante, indignado com a possibilidade então levantada de travar o regresso da população a Chã das Caldeiras e contrapondo com a agricultura – das vinhas à fruta, passando por legumes e criação de gado – que as condições locais propiciam e que todos praticam.

Apesar de lamentar a falta de uma sala de aulas, equipamentos de saúde ou polícia no topo do vulcão, diz que não há receio em ficar em Chã das Caldeiras. Emprega diretamente seis pessoas da terra e os turistas que pernoitam na pensão, mantendo a casa quase sempre cheia, também representam trabalho para as dezenas de guias que moram na aldeia.

“A minha história está aqui. A coisa que eu sei fazer é tratar da agricultura e receber os turistas. E a terra que eu conheço é a do vulcão”, assume, enquanto a Letícia corrobora. Sair da aldeia e deixar o vulcão está fora de questão: “É uma vida muito agradável, sem stress, com trabalho. É outra maneira de viver. Estou muito feliz aqui”.

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