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O Lado Negro das Digressões

O mundo da música tem tantos profissionais talentosos como chicos-espertos que apenas querem um lugar ao sol numa das maiores indústrias do mundo. A esmagadora maioria das pessoas gosta de música e ouve-a todos os dias. Seja em casa, no carro, nos transportes públicos, enquanto treina no ginásio ou em pleno local de trabalho, o mais importante é que não falte boa música. E sabendo nós o quão estável financeiramente é a vida dos músicos e cantores (pensamos nós, na realidade não é bem assim) damos por nós a desejar arduamente viver a mesma vida do que eles. E desejamos isso porque não estamos devidamente informados sobre o outro lado da vida dessas pessoas. Esta é uma crónica sobre algo tão comum e banal como pouco abordado. Este é o lado negro das digressões.

Enquanto muitos imaginam a vida de um músico em digressão como se fosse um autêntico Deus, a verdade é que a realidade está muito distante de ser idílica. Um estudo recente da organização Help Musicians UK concluiu que mais de 60% dos músicos sofreram de depressão, ou outros problemas psicológicos, durante uma digressão.

A dura realidade é que noventa e nove por cento do tempo quando estão em tournée é passado nos aeroportos (ou na estrada) ou nos hotéis. Estamos a falar de muitas horas diárias passadas em viagem de um local para o outro. E quando chegam ao local pretendido só existe um pensamento: ir para o hotel (ou para o local do concerto, obviamente). E depois, das duas uma: ou descansam um pouco para depois darem o concerto ou dão o concerto e então têm direito ao merecido descanso. E perante este cenário é fácil deixarmos a nossa mente, e corpo, escorregar rumo à decadência, mesmo que sejamos saudáveis a nível emocional.

Sim, eles são uns sortudos. Não só fazem o que gostam como ainda por cima pagam-lhes para o fazerem. E no meio disto tudo ainda têm oportunidade de conhecer o seu país e o mundo.

Contudo, isso não quer dizer que o que fazem não seja duro. Estar todos os dias no seu melhor, dando sempre bons concertos e agradando a todos aqueles que os vêem/ouvem, é duro. Estar sempre em viagem de local para local sem tempo para parar e respirar e estando longe dos familiares e amigos é duro. Conviver de muito perto horas infindáveis com um grupo de pessoas é duro mesmo que tenham entre si uma excelente relação. Estar constantemente a criar novas músicas e a escrever novas letras é duro. Pode não parecer, mas acreditem que é.

A pressão que recai sobre estas pessoas é inimaginável.

Eles não se podem dar ao luxo de falhar. Não podem ficar em casa se não lhes apetecer ir trabalhar (que neste caso é ir dar um concerto). Não podem falhar uma nota na guitarra ou esquecer-se de parte da letra de uma das suas músicas. Não podem rejeitar dar autógrafos, não aparecer em selfies, ou ser mal-educados para quem quer que seja sob pena de se tornarem alvos da fúria popular e mundial nas redes sociais. Deles é esperado que estejam sempre num nível tão elevado quanto os próprios Deuses do Olimpo.

E, mais do que tudo isto, ainda existe a solidão. Estes profissionais estão, constantemente, rodeados de centenas ou milhares de pessoas. Têm um staff que zela por eles tornando quase tudo possível. Têm fãs em qualquer parte do país ou do mundo que sabe tudo sobre eles e os idolatra. Têm uma conta bancária recheada que lhes permite loucuras, mas que também os torna em alvos ambulantes. Têm um grande número de “amigos” que, na maioria dos casos, desaparece assim que acontece algum problema.

Eles saem de arenas cheias e em estado de loucura para…as suas casas/quartos de hotel. E aí, em muitos dos casos, estão sozinhos. Aí voltam a depender apenas de si próprios. Aí não têm fãs para os “bajular” e voltam a ter de fazer as actividades do dia-a-dia. Aí…estão sozinhos.

Mesmo que estejam acompanhados, lá bem no fundo, estão sozinhos. Existe inclusivamente uma condição médica directamente relacionada a este fenómeno: tem o nome de Post-Performance Depression ou PPD. A explicação é simples de entender. Quando o corpo experimenta grandes mudanças de humor, ele é inundado com vários neurotransmissores diferentes, resultando numa libertação bioquímica que leva a um sentimento de êxtase. Após esses momentos o sistema nervoso precisa de tempo para se recalibrar e preparar-se para mais um “lançamento”. Depois de um desempenho emocionante o corpo começa a equilibrar o nível de neurotransmissores e, portanto, não está a libertar o mesmo nível que causou os sentimentos emocionantes. Resultado? Tristeza permanente. Ora no dia-a-dia os bioquímicos são libertados e o respectivo descanso/recuperação originam os altos e baixos a que nossa vida nos habituou. Mas no caso do PPD o processo é muito mais extremado, originando altos mais altos mas também baixos muito mais baixos.

Mas isto é apenas parte da realidade. Porque ainda existem aqueles que sendo músicos/cantores não são ricos nem dão concertos nos maiores palcos mundiais. Muito boa gente luta para viver da música dando concertos em locais inimagináveis. Bares, cafés, festas locais ou regionais, festas privadas. Vale tudo para dar a conhecer a sua música e para tentar sobreviver da sua arte. E embora muitos tentem a dura realidade é que nem todos o conseguem. Porque isto de criar grandes êxitos musicais não está ao alcance de qualquer um.

Sim, as redes sociais vieram ajudar a simplificar e facilitar todo este processo. Mas continua a ser necessário uma grande música e uma letra cativante para atingir o sucesso. E isso não está ao alcance de todos. Assim como nem todos os estilistas conseguem criar peças genais todos os dias ou como os cronistas não conseguem agradar a quem os lê todas as semanas. Todos os ofícios que exigem grandes doses de criatividade são perigosos pela tensão e pressão que colocam nos seus profissionais.

Conclusão? Sim, o mundo da música pode ser absolutamente fantástico e deslumbrante. Mas também é necessário mostrar o seu outro lado. O da solidão, da depressão e dos problemas mentais e psicológicos.

Não quero fazer destes profissionais “coitadinhos”, mas sim mostrar que são tão humanos quanto nós. O seu estilo de vida pode, em alguns casos, ser diferente e superior ao nosso, mas isso não significa que tudo seja positivo.

Arrisco dizer que da próxima vez que for ver um concerto vai lembrar-se desta crónica e vai perceber o quão importante é o apoio dado (a todos os níveis) aos músicos/cantores.

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