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Nova lei do álcool preocupa comerciantes cabo-verdianos

Muitos comerciantes cabo-verdianos receiam perder grande parte dos seus negócios e temem o aumento do desemprego, com a nova lei do álcool, muita contestada e que entra hoje em vigor em Cabo Verde.

Marisa Tavares Gonçalves, moradora em Achada Mato, gere, juntamente com a irmã, um quiosque no Sucupira, o maior mercado a céu aberto de Cabo Verde, situado na Fazenda, cidade da Praia.

O negócio começou há pouco mais de um ano e corre de vento em popa, com a venda de almoços, bebidas alcoólicas, sumos, água, entre outros produtos.

Mas a partir de hoje tudo poderá mudar, com a entrada em vigor da nova lei do álcool, que proíbe, por exemplo, a venda de bebidas alcoólicas em quiosques, barracas e cantinas.

Em declarações à agência Lusa, Marisa Gonçalves recordou que já recebeu uma visita da Inspeção Geral das Atividades Económicas (IGAE), que informou que as bebidas devem ser retiradas.

“Vinho, cerveja, aguardente, tudo isso vai ser proibido. Podemos ficar apenas com sumo e água”, lamentou, dizendo que já não vai poder vender “nem um vinho para acompanhar o almoço”.

“Para não prejudicar muito, pelo menos deveriam proibir apenas aguardente, e deixar vinho e cerveja, para acompanhar o almoço”, sugeriu Marisa, garantindo que se o negócio não render, o único remédio vai ser fechar as portas.

A proprietária pede igualmente mais união entre os colegas, para contestar a nova lei, que disse protege os minimercados, que vão continuar a vender tudo, enquanto os quiosques não.

Uns metros mais à frente, Adilson Ferreira trabalha numa roulotte, que presta o mesmo serviço de venda de almoços no local que é muito frequentado sobretudo por condutores e hiaces, as carinhas de transporte de passageiros para os vários concelhos do interior da ilha de Santiago.

Em declarações à Lusa, disse que há alguns pontos que discorda, mas também outros que concorda na nova lei, nomeadamente a proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, o consumo na via pública e nos locais de trabalho públicos e do setor privado.

Adilson Ferreira foca na proibição de venda de bebidas alcoólicas a menos de 200 metros de estabelecimentos de ensino ou outros espaços educativos, dando um exemplo da mãe, que há 33 anos construiu uma casa na localidade de Cancelo, concelho de São Domingos, mas há 18 foi construída uma escola a menos de 100 metros da habitação.

“Será que é a casa da minha mãe que tem que sair, ou é a escola?”, questionou Adilson sobre a nova lei, que tem sido alvo de muitos debates e questionamentos em todo o país.

O jovem disse que a lei de 2015 que veio regular a produção e comercialização da aguardente de cana-de-açúcar, tradicionalmente conhecida por grogue, melhorou a qualidade da bebida, mas entende que a nova lei do álcool vai aumentar o desemprego no país.

Adilson Ferreira é também taxista e trabalha das 19:00 às 07:00, mas disse que vai ser “obrigado” a fechar o expediente mais cedo porque o movimento nas ruas e nos estabelecimentos de diversão noturna vai reduzir.

“Vamos ver todas as situações, porque a IGAE está no terreno, juntamente com os policiais. Vamos ver se as propostas vão ao encontro das nossas expetativas. Se piorar, preferimos fechar, para não ficarmos com problemas”, projetou.

Adilson disse que já registou reclamações dos clientes, que garantiram que depois de hoje dificilmente vão consumir no quiosque onde trabalha juntamente com mais quatro pessoas.

Perante a nova lei, sugeriu ao Governo a isenção aos pequenos proprietários do pagamento de impostos, para que possam continuar com os negócios e “recuperar” algum dinheiro investido.

Adilson reconheceu que o ganho do quiosque provém sobretudo da venda de bebidas alcoólicas, mas afirmou que os funcionários têm por hábito aconselhar os clientes a beber com moderação e a não vendem bebidas a pessoas que aparentam estar em estado de embriaguez.

Em vez de proibir o consumo através de uma lei, o jovem cabo-verdiano sugeriu ao Governo maior fiscalização para mais rigor e qualidade na produção de bebidas alcoólicas no país.

Há vários anos que Ana Paula Fernandes possui uma barraca no bairro de Tira Chapéu, onde vende carne assada e grelhada, tudo acompanhado com cerveja, grogue, uísque.

Com a nova lei, prevê uam diminuição do rendimento, porque “ninguém vai sair de sua casa para beber sumo e bolo num quiosque”.

“Acho que deveriam criar condições para as pessoas venderem. Ver, por exemplo, se o espaço está limpo, para depois começar com outras medidas. Querem nos mandar todos para o desemprego”, protestou.

Ana Paula falava à Lusa na Fazenda, minutos depois de ter ido pedir esclarecimentos à IAGE, que a informou que pode vender todo o tipo de comida, mas menos bebidas alcoólicas.

“Perguntei se posso vender dentro de casa. Disseram-me que como tenho documento de quiosque, tenho de ir falar com a Câmara [Municipal], para ir ver o espaço”, adiantou.

A comerciante não tem dúvidas que muitos colegas vão ficar prejudicados com a nova lei. “Por isso, peço a quem de direito para ir ao terreno para ver, ou quem que aprovou a lei para se consciencializar um pouco, porque muita gente está revoltada”.

A nova lei foi aprovada pelo parlamento cabo-verdiano em março e promulgada a 01 de abril pelo Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, promotor da campanha “Menos Álcool, mais Vida”, que visa contribuir para a diminuição do uso abusivo e da dependência do álcool no país.

A lei proíbe ainda a venda ambulante e qualquer forma de publicidade de bebidas alcoólicas, a venda e colocação à disposição de bebidas alcoólicas em clubes, salas ou recintos desportivos, festas académicas, comícios e eventos de frequência de jovens e menores.

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