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Notas Autárquicas

Autor: Miguel Pedro Araújo

Se já há algum tempo, em alguns contexto até tempo demais, as autárquicas 2017 vinham a marcar presença na agenda política nacional e local, agora que o Governo marcou o processo eleitoral para o dia 1 de Outubro, com o aproximar da data, este importante momento político vai tendo um crescente interesse.

Nesta data há três notas que merecem relevo neste quadro eleitoral autárquico, por ordem crescente de relevância (do ponto de vista meramente pessoal).

Primeira nota para uma consequência do estado do país e do que foi uma parte do impacto do resgate externo a que o país se teve que sujeitar em 2011. Não é uma questão de leitura política, de subjectividade, de visão conceptual e ideológica da vida e do mundo que nos rodeia. São sim, infelizmente, factos e dados muito concretos que espelham uma triste realidade. Portugal, apesar da sua dimensão geográfica e populacional, foi sempre díspar no binómio interior versus litoral.

As várias crises que o país atravessou apenas serviram para agudizar essa diferença (económica, social, cultural).

E os quatro anos em que Portugal esteve sob vigilância apertada das instituições internacionais acentuaram uma outra realidade: o país ficou, por força da emigração, mais velho e mais despovoado.

A verdade é que, conforme noticiou o Jornal de Notícias na sua edição de 2 de Abril último, o despovoamento do interior dificulta a elaboração de listas às eleições autárquicas.

E conforme referem várias estruturas partidárias locais se o problema atingia apenas pequenas juntas de freguesia, agora já chegou às câmaras municipais. A expressão não podia ser mais eloquente: “há mais força de vontade do que gente”.

Segunda nota para deixar claro que é mais que óbvio que estas eleições, do ponto de vista político, terão um peso partidário nacional significativo para todos os partidos, seja o PS, os da coligação ou para os partidos da oposição. Um mau resultado do PSD e do CDS terá impacto futuro no que respeita às suas afirmações como alternativa ao actual Governo e terá ainda leituras e impactos significativos nas suas lideranças internas, bem como nas legislativas de 2019. Por outro lado, uma vitória eleitoral do PS representará a sua afirmação na governação do país e a sua consolidação como Governo, podendo ainda libertar o partido da amarra da agenda ideológica do BE e do PCP.

A confirmação do PCP como partido com cariz autárquico e o aparecimento significativo do BE em algumas autarquias (apenas por uma única vez, e de forma negativa, o BE foi poder autárquico) será um importante balão de oxigénio para os dois partidos garantindo-lhes expressão política que lhes permita poder negocial na coligação parlamentar e nas próximas eleições legislativas.

Mas a terceira nota que se afigura como mais relevante é a oportunidade perdida para o país.

Já há muito que o Poder Local sente a necessidade urgente de uma reforma abrangente, profunda e consistente.

A falta de coragem política e a pressão exercida pelos mais fortes (municípios) vão relegando esta realidade para o fundo das gavetas, aberta a espaços para a implementação de medidas avulsas, desfasadas, superficiais e desequilibradas. Veja-se, por exemplo, o que foi a reforma administrativa aplicada em 2012 e que apenas se centrou, basicamente, na fusão, agregação e extinção de 1168 freguesias das 4260 então existentes. Isto sem a percepção exacta dos custos, dos impactos sociais, sem o alargamento aos municípios (câmaras), sem a preocupação pelas identidades próprias. Sempre defendi (como na altura o referi) a importância de uma Reforma Administrativa mas que fosse equilibrada, que tivesse em conta a tipologia das freguesias (urbanas, semi-urbanas e rurais), a geografia, o impacto social de uma agregação ou extinção, nomeadamente para as freguesias rurais, demasiado isoladas e interiores, que tivesse em conta, no caso das agregações, a dimensão final da sua geografia e o que isso pudesse representar para as estruturas administrativas locais, entre outros.

Por outro lado, o mesmo princípio que foi aplicado às Freguesias era, por todas as razões, o mesmo que justificaria a aplicação da mesma política aos municípios. Mas aí, o lobby falou mais alto… as freguesias continuam o parente pobre do Poder Local num país que tem, eleitoralmente, um peso autárquico significativo para o sucesso dos partidos. Mas não foi apenas a reforma administrativa que se perdeu ao longo destes quatro anos de legislatura do Poder Local, onde não há um único estudo significativo do impacto que teve essa medida de 2012 (aplicada em 2013), porque não só de território vive o poder autárquico. Faltou, talvez até mais significativa, uma verdadeira Reforma do Poder Político Local.

A valorização do papel administrativo, social e político das Freguesias, a sua independência face ao Município, as dotações orçamentais directas do Orçamento do Estado e o benefício das receitas fiscais directas; as competências próprias e a capacidade legal de manter a independência face às delegações de competências, seja a nível das freguesias em relação aos municípios, seja dos municípios em relação ao Poder Central; o papel e a estruturação das Comunidades Intermunicipais e a sua relação com as CCDR’s (que já deviam ter sido extintas); o novo mapa administrativo em função das novas realidades administrativo-políticas nacionais (o fim dos distritos e a valorização das NUT III); a lei eleitoral autárquica que defina, estruture e valorize o papel político de cada órgão, o executivo (gestão das freguesias e municípios) e deliberativo (assembleias de freguesia e municipais), etc. E este “etc.” afigura-se demasiado extenso e comporta em si mesmo um conjunto de realidades que mereciam um maior cuidado por parte dos Governos de forma a valorizar aquilo que é um dos fundamentais pilares da democracia: o poder e a democracia de proximidade, verdadeiramente junto dos cidadãos.

Esta foi, mais uma vez, pela enésima vez, uma oportunidade política perdida, seja a nível da organização sociopolítica nacional, como a aproximação à realidade sociopolítica da maioria dos países europeus.

Quem passa, por exemplo por uma Dinamarca ou Suíça conhecerá melhor esta realidade.

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