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Mais de 8200 execuções em menos de dois anos na Venezuela

O Estado venezuelano usa força letal contra as populações mais pobres e vulneráveis a pretexto do combate à criminalidade, o que resultou em mais de 8200 alegadas execuções extrajudiciais em dois anos, alerta a Amnistia Internacional (AI).

De acordo com o relatório “Esta não é forma de vida: A segurança pública e o direito à vida na Venezuela”, que cita dados da procuradoria-geral venezuelana, entre 2015 e junho de 2017 foram registadas 8292 alegadas execuções extrajudiciais.

Em 2015, foram registadas 1777, cerca de 10 por cento do total de homicídios nesse ano, em 2016 4667 (22 por cento dos homicídios) pessoas morreram às mãos das forças de segurança e entre janeiro e junho de 2017, 1484 pessoas foram mortas por agentes policiais ou militares.

O relatório, que foi divulgado hoje em Buenos Aires, na Argentina, destaca a responsabilidade do Estado venezuelano nas violações do direito à vida e à integridade física de milhares de pessoas.

“O Estado não falha apenas ao não conseguir garantir a vida e a segurança das populações num contexto de níveis alarmantes de insegurança, mas está a implementar medidas repressivas, usando métodos militares, supostamente para combater o crime”, assinala o relatório

“O resultado são 8292 alegadas execuções extrajudiciais entre 2015 e junho de 2017”, acrescenta o documento.

O relatório revela que, em 2016, a Venezuela registou a maior taxa de homicídios da sua história, com mais de 21 700 mortes, 4667 (22 por cento) das quais da responsabilidade por elementos das forças de segurança.

A AI assinalou que, por cada pessoa morta, sobrevivem três ou quatro feridas com armas de fogo e estima, por isso, que entre 65 mil e 87 mil pessoas tenham sido vítimas de violência na Venezuela nesse ano.

Relativamente a 2017, a organização considera pouco fiáveis os números avançados pelo Governo, que não contabilizam as mortes cometidas pelas forças de segurança e apontam uma taxa de homicídios de 62 por 100 mil habitantes.

Números de organizações não-governamentais citados no relatório da AI registam, por seu lado, uma taxa de 89 homicídios por cada 100 mil habitantes, o que coloca a Venezuela nos lugares cimeiros da lista de países com maior taxa de homicídios, a seguir à Síria e El Salvador.

A quase totalidade das vítimas (95 por cento) eram homens e 60 por cento tinham idades entre os 12 e os 29 anos, residentes nas zonas mais pobres do país. Cerca de 90 por cento dos homicídios registados foram cometidos com armas de fogo.

O perfil traçado pela AI revela que as vítimas dos homicídios na Venezuela são sobretudo trabalhadores, pais de crianças pequenas e foram mortos em casa e na presença da família.

O relatório denuncia também a impunidade generalizada no país, onde 98 por cento dos casos de violações dos direitos humanos e 92 por cento dos crimes comuns não são julgados ou punidos.

Assinala que, desde 2005, o Governo não publica estatísticas sobre homicídios e que, até setembro, o Ministério Público não tinha divulgado os dados relativos a 2018.

A Operação Libertação do Povo, criada pelo Governo em 2015 para combater a criminalidade, é também analisada no documento, que dá conta da existência de 505 vítimas mortais entre março de 2015 e julho de 2017, 1074 polícias e militares investigados, 112 dos quais indiciados e 43 acusados.

Além de homicídios, há registo de investigações por abuso de autoridade, invasão e destruição de habitações, privação da liberdade, tratamentos cruéis ou ameaças.

A AI sustenta que, apesar de ter implementado 17 planos de segurança nos últimos 17 anos, o Estado venezuelano não conseguiu cumprir as suas obrigações de prevenir a violência armada, tendo falhado igualmente na investigação e punição das violações de direitos humanos e na reparação devida às vítimas.

Pelo contrário, refere a organização, as autoridades apontam como “um sucesso” a prática de matar pessoas no contexto das operações de segurança.

A Amnistia Internacional lembra que a Venezuela vive uma “séria crise de direitos humanos há vários anos” com a violação do direito à alimentação, saúde, prisões políticas, tortura ou uso de tribunais militares para julgar civis.

Para a AI, uma das “mais notáveis consequências” desta crise é o “crescimento dramático” do número de pessoas que deixou o país, estimado pelas Nações Unidas em cerca de 2,3 milhões desde 2014.

“A Venezuela atravessa uma das piores crises de direitos humanos da sua história. A lista de crimes contra as populações está a crescer e é alarmante que (…) as autoridades usem uma linguagem de guerra para tentar legitimar o uso excessivo da força pela polícia e pelos militares e, em muitos casos, o recurso à força com a intenção de matar”, disse Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas.

Defendeu, por isso, que o Governo de Nicolás Maduro deve lançar um programa urgente para reduzir os homicídios e implementar um modelo que inclua orientações sobre o uso da força e de armas de fogo de acordo com as normas internacionais de direitos humanos.

“O governo do Presidente Maduro deve garantir o direito à vida em vez de tirar as vidas dos jovens do país. Todos os jovens pobres devem ter oportunidades iguais e não viver com medo de que a polícia e os militares os vejam como inimigos”, sublinhou.

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