Insólito

Kaiser, o jogador ‘fantasma’

Aqui está um bom exemplo de como a competência social nos pode levar longe. Carlos Henrique Raposo, mais conhecido por Kaiser, orgulha-se da sua carreira de 20 anos como jogador de futebol, quase sem nunca ter jogado uma partida completa.

Ele era o verdadeiro jogador “fantasma”, era descrito nos jornais como goleador e artilheiro, mas ninguém se lembra de ver um golo dele ou tão pouco de o ver jogar. Boas relações com a imprensa, uma dica aqui e outra ali, ajudavam Kaiser a manter-se nas notícias.

Começou nas camadas jovens do Botafogo e foi contratado por uma equipa mexicana, aos 16 anos. Passou por França, México e Estados Unidos. Andou, ainda, em alguns dos mais importantes clubes brasileiros. Encerrou a sua carreira com 39 anos, no Ajaccio na 2ª divisão francesa, onde garante que aí chegou mesmo a jogar, mas nunca mais do que 20 minutos por jogo.

O seu esquema era praticamente sempre o mesmo, as suas boas relações ajudavam-no a manter este esquema. Forte fisicamente, com porte de futebolista, começava sempre as épocas lesionado, “não havia ressonância (magnética) na época”, revelou, entretanto começava a correr, (a parte física em que ele era realmente bom), e quando não dava mais para manter a mentira combinava com um colega para lhe acertar porque queria ir para o departamento médico”, recorda Renato Gaúcho, um dos amigos de verdade do futebolista de faz de conta.

“Era um inimigo da bola, é uma ótima pessoa, um ser humano extraordinário. Mas não jogava nem cartas. O problema dele era a bola. Nunca o vi jogar em lugar algum”, corrobora Ricardo Rocha, que jogou no Sporting, em 1988, e outro dos amigos de Kaiser.

Quando a situação se complicava, Kaiser rescindia contrato, aproveitava a saída de um amigo e trocava de clube. “Assinava um contrato de risco, mais curto, normalmente de três meses. Mas recebia as luvas do contrato e ficava lá este período”, simulando lesões, fingindo-se jogador. A tática era conhecida por vários companheiros, que encobriam a história, pelo facto de ele ser uma pessoa adorável.

As histórias de Kaiser são intermináveis Na passagem pelo Bangu, as lesões já não enganavam ninguém. Um dia, sentado no banco, foi chamado a entrar em campo. “Comecei a aquecer e vi os adeptos a insultar a equipa. Avancei a rede e fui brigar com os adeptos. Fui expulso antes de entrar em campo”.

A bola nunca foi uma das suas melhores amigas. Mas ele era craque em se relacionar com algumas estrelas do futebol. Kaiser tinha entre os muitos amigos os brasileiros Romário, Edmundo e Branco, que jogou no F. C. Porto. Numa época em que não havia televisões a transmitir jogos 24 horas por dia, ela aproveitava para se promover, tinha um telemóvel de brincar, que lhe servia para parecer bem-sucedido e desejado por outros clubes. “Fingia que estava a falar com alguém e recusava os convites”, recordou.

Kaiser podia perceber pouco de bola, mas sabia muito da vida. E mais ainda da má vida. “Quando ficávamos concentrados num hotel, chegava três dias antes, levava 10 mulheres e alugava apartamentos dois andares abaixo do andar que a equipa ia ficar. De noite ninguém fugia de concentração, a única coisa faziam era descer as escadas”, admitiu.

“Pelas oportunidades, pelas equipas que passei, se me dedicasse mais teria ido mais longe. De certa forma, me arrependo de não ter levado as coisas mais a sério”, confessou.

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