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José Alberto Carvalho fala dos fogos e não poupa ninguém

José Alberto Carvalho, um dos rostos mais conhecidos do jornalismo português, escreveu um longo texto a falar sobre o tema do momento: fogos florestais. O jornalista da TVI procura respostas para o que tem acontecido em Portugal, sem esquecer a declaração de Constança Urbano de Sousa e as férias que não teve. Mas não poupa ninguém. “A culpa é do Estado e o Estado somos nós, cidadãos. Com esta generalização do ‘todos’ não pretendo amnistiar ninguém”.

“Tenho evitado, neste espaço, qualquer opinião que possa cruzar-se com a minha profissão e com as minhas funções, mas desta vez quebro a regra”, começa por dizer o jornalista, que assumiu ter estado fora de Portugal nos últimos dias.

José Alberto Carvalho explica a razão pela qual defende a saída da ministra.

“Não pelos incêndios, mas pelos comentários totalmente inaceitáveis perante o sofrimento de tantas famílias. Acredito que esteja a ser o ano mais difícil da vida de Constança Urbano de Sousa, mas como bem recordou por exemplo o meu amigo Bento Rodrigues, ‘há dezenas de pessoas que nunca mais vão ter férias”, anotou.

E considera que “a ministra não tem culpa das circunstâncias em que se viu envolvida”. Porém, “as as circunstâncias são, quase sempre, o que define as nossas escolhas, porque nos confrontam com aquilo que somos.”

O jornalista tenta compreender mais adiante o que se entende por responsabilidade política por demissão de funções.

“Interrogo-me aliás se Jorge Coelho (exemplo frequentemente invocado por se ter demitido perante a queda da ponte de Entre-os-Rios) pagou alguma ‘responsabilidade política’ com a decisão de abandonar o Governo. Foi penalizado de alguma forma? As pontes ficaram mais seguras em função da demissão? Concordo que o país precisa de soluções e não de demissões, porque isso é o que todos temos feito ao longo destas décadas”, acusa, dizendo que o país se tem demitido “da maioria do território português”.

“Entregámos o interior aos mais velhos e à natureza. E a natureza está a reclamar o que é seu, perante a ausência de cuidado humano.”

O pivô da TVI fala depois na “imensa destruição e, sobretudo, a dramática e inimaginável, inconcebível, perda de vidas”.

“Uma centena de pessoas! Como é possível? Os bombardeamentos em Aleppo (Síria) não conseguiram provocar tantos mortos em tão pouco tempo…”

E é aqui que questiona a gestão e comando da GNR.

“Vale a pena, no entanto, tentar perceber como morreram estas pessoas. Pelo que se sabe nesta altura, a maioria delas (tal como em Pedrógão…) morreu em acidentes rodoviários em fuga das chamas ou a caminho de um barracão agrícola no desespero de tentar salvar os seus bens. Sendo assim, interrogo-me: como se controlam as estradas em situação de catástrofe?”

E as questões a este respeito não se ficam por aqui.

“Como é possível que dezenas de estradas, vias rápidas e auto-estradas, incluindo a principal estrada do país, tenham estado abertas ao trânsito, quando as chamas as tomaram de assalto, como é evidente nos vídeos que se tornaram virais nestes dois dias? Como é que se faz a monitorização desta ameaça? Quem ordena a GNR cortar as estradas?”, questiona, aumentando ainda as suas dúvidas.

“Como funciona a estrutura de comando da Proteção Civil? Não sabemos! Infelizmente, palpita-me que os diretamente envolvidos também não sabem… No dia da tragédia de Pedrógão havia dois militares da GNR de serviço em cada concelho. Quantos estiveram de serviço no domingo? E a reagir a que informações?”

Num outro ponto, José Alberto Carvalho fala do famigerado SIRESP.

“Não entendo como é que a sigla SIRESP corresponde a uma empresa que tem um contrato de prestação de serviços com o Estado. Não entendo de todo! Uma empresa? Não deveria ser o SIRESP o coração do serviço de Proteção Civil ? Aceita-se que o 112 fosse concessionado a entidades privadas? Não se trata, sequer, de serviços comparáveis: o 112 responde a acidentes; o SIRESP deve responder a catástrofes”.

“Cortar mato e silvas dá trabalho”

No longo comentário, o jornalista da TVI diz ainda que “a culpa é dos governos”.

“Concordo. Mas quando a culpa é de todos os governos, isso significa que a culpa é do Estado; e o Estado somos nós, cidadãos. Com esta generalização do ‘todos’ não pretendo amnistiar ninguém”.

“As profissões relacionadas com a floresta desapareceram (resineiros, cantoneiros); nas zonas florestais do país vivem, hoje em dia, populações idosas que carecem de cuidados permanentes para a sua sobrevivência e bem estar”, diz, e acrescenta:

“As capacidades produtivas do interior foram ignoradas. Os descendentes (e herdeiros!) dessas pessoas idosas não sabem sequer que terrenos herdaram; e quando sabem procuram aborrecer-se o menos possível com essas minudências… eucalipto é uma boa solução; cortar mato e silvas dá trabalho, é caro e não há ninguém que o queira fazer e suspiram que ‘era tão melhor que a minha família me tivesse deixado em herança uma casa na praia…'”

A finalizar, José Alberto Carvalho destaca.

“Ao fim de 40 anos de migração para o litoral, de abandono do interior, de desprezo pela maioria do território parece-me inevitável que irá demorar tempo a corrigir o absurdo. E que todos nós, o Estado, voltemos a olhar para o interior com a dignidade e responsabilidade que merece”.

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