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Inventário feito “com as pessoas” para recuperar a tabanka de Cabo Verde

A tabanka, manifestação artística em Cabo Verde, foi perseguida pelo poder colonial e considerada pecado pela igreja, mas sobreviveu e está a ser alvo de um inventário com vista à sua classificação como património nacional e posteriormente da humanidade.

O inventário em curso tem um cariz comunitário. “É feito com as pessoas, junto delas, por elas. Não é um inventário em que os técnicos têm todo o protagonismo. As pessoas são envolvidas, fazem parte de todo o trabalho e o trabalho é validado por elas”, segundo Carlos Barbosa, antropólogo visual do Instituto do Património Cultural (IPC) de Cabo Verde e coordenador deste registo.

“É engraçado ver até hoje quem são os protagonistas da tabanka: as vendedoras de peixe, os pescadores, os varredores de rua, as pessoas mais humildes da sociedade”, disse em entrevista à agência Lusa.

E são estes que anualmente se movimentam em torno desta festividade que, de tão perseguida, chegou aos dias de hoje quase sem registos, restando os que participam na festa para contar onde e como a mesma se faz.

Segundo o levantamento já efetuado, existem grupos de tabanka nas ilhas de Santiago (três na cidade da Praia, dez em Santa Catarina e um em Santa Cruz) e do Maio (dois). Existiam muitos mais, que entretanto acabaram.

Segundo Carlos Barbosa, “as pessoas foram persuadidas a deixar a tabanka”. E a festa foi esmorecendo e sem deixar registos. Mas ainda assim sobrevive.

Para o antropólogo, quem perseguia a tabanka, receava-a. “Como foi uma organização, em que os escravos se organizavam e imitavam a sociedade, era vista como um grupo que se podia organizar e empreender uma rebelião”.

Esta representação da sociedade durava dias e culminava num grande desfile, em que se podiam ver as várias figuras representadas e adornadas a rigor, de modo a facilitar a identificação das personagens.

A festa era acompanhada de uma gastronomia própria, em que se encontrava a canja, o xerém, o feijão pedra, a cachupa.

Por seu lado, e apesar do cariz religioso, uma vez que a festa é feita em honra de um santo católico – Santo António, São Pedro, São Januário… – a igreja perseguiu a tabanka, classificando-a de pecado, disse Carlos Barbosa.

Considerada uma festividade única e característica de Cabo Verde, a tabanka inclui ainda manifestações musicais sem igual, em que o tambor, a corneta e os búzios são protagonistas. Em relação ao búzio, este é retirado ao mar e tratado devidamente para a música.

O antropólogo refere que os primeiros registos da tabanka datam do século XVII. O inventário em curso vai permitir um melhor conhecimento desta manifestação cultural, mas é também um passo fundamental para a sua classificação como património nacional.

Segundo Carlos Barbosa, esta classificação “representa muito para a tabanka”. E depois da classificação de património nacional, está nos horizontes dos responsáveis da Cultura apresentarem a candidatura a património da humanidade.

Questionado sobre o risco de, apesar do inventário em curso, a tabanka poder vir a morrer com a morte dos seus protagonistas, o antropólogo acredita que não e que o maior sinal de vitalidade da tabanka são os mais jovens que cresceram com ela.

A esse propósito, recordou uma frase que viu pintada a tinta branca junto a uma capela da tabanka na ilha de Santiago: “A tabanka não acaba!”.

Em abril, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde assumiu um compromisso com 15 grupos de tabanka da ilha de Santiago e da ilha do Maio, num valor de três milhões de escudos (cerca de 27.300 euros), valor a ser utilizado na restituição de alguns instrumentos e trajes.

O compromisso visa a salvaguarda da tabanka, a sua dinamização e revitalização e o seu objetivo final é garantir a sustentabilidade deste movimento cultural e ainda colocá-lo no mapa turístico do país.

Em agosto, registou-se na cidade da Praia o encontro de líderes e figuras de diferentes grupos da ilha de Santiago, no âmbito do Inventário Nacional da Tabanka, para troca de experiências.

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