Cultura

Instrumentista de Miranda do Douro transforma velhas latas em guitarras elétricas

Um instrumentista de Miranda do Douro aproveita antigas embalagens em lata, bem conservadas, para fazer guitarras elétricas e acústicas com uma sonoridade “única”, que depois utiliza nos concertos do grupo de música folk Galandum Galundaina.

Este projeto de Paulo Meirinhos foi inspirado em Francisco dos Reis Domingues (1909-1993), conhecido como “Tiu Lérias” de Paradela – Miranda do Douro, que construiu várias guitarras de lata e tocou-as de com grande maestria. Foi condecorado em 1972 pelo Presidente da República Portuguesa, Américo Tomás.

“A ideia de construir o ‘guitarro’ vem da mestria do senhor Francisco dos Reis Domingos, que há cerca de 70 anos construiu umas guitarras a partir de antigas latas do café e outras que encontrava, às quais juntava braços feitos de pau ou aproveitava os de velhas guitarras. Daí ter começado a procurar estes materiais para introduzir nas músicas do grupo Galandum Galundaina uma sonoridade mais harmónica, que vem deste género de instrumento e que fui estudando”, explicou à Lusa Paulo Meirinhos.

O “guitarro”, como assim é designado o instrumento musical, é composto por uma lata estilo ‘vintage’ que no passado serviu para transportar lubrificantes ou produtos alimentares, à qual se lhe acrescenta um braço com escala musical feito numa fábrica em Braga, e diversos componentes elétricos e eletrónicos, e que em conjunto emanam um som “único e característico”.

“Este é um instrumento, tido como tradicional nas Terras de Miranda, já acompanhava cantares e outras modas, oriundas deste rincão transmontano”, frisou o músico.

O legado deixado por Francisco dos Reis Domingues consta das recolhas do etnomusicólogo francês Michel Giacometti e de filmes dedicados à cultura do Nordeste Transmontano.

O grupo Galandum Galundaina já fez concertos em que utilizou o “guitarro” e os músicos garantiram que “conseguiram recursos diferentes paras as sonoridades pretendidas”.

“O acompanhamento musical deste instrumento é muito harmónico. No caso dos Galandum, temos em atenção um som mais melódico e, por isso, estamos a tentar fazer um equilibro”, observou à Lusa, Paulo Meirinhos.

O característico som da lata, que após amplificado, marca a diferença, principalmente nos sons mais agudos, em que “o torna agradável ao ouvido e harmónico no acompanhamento de outros instrumentos como a sanfona, as percussões ou até mesmo uma gaita-de-foles”.

“Com este instrumento conseguimos uma vibração ondulante, que é umas das características deste tipo de latas. Este som da lata é estranho que depois se entranha, já que não tem o timbre dos instrumentos feitos em madeira”, concretizou o instrumentista.

Paulo Meirinhos, que também se dedica ao estudo de outro tipo de instrumentos, espera agora que o “guitarro” tenha um presente e um futuro e que seja utilizado por outros músicos.

“No que respeita aos Galandum Galundaina, tentamos recuperar músicas e sonoridades de outros tempos e do cancioneiro tradicional mirandês. A recuperação do ‘guitarro’ é outro dos desafios e esperamos que outros grupos musicais sigam o mesmo caminho e deem a este instrumento uma nova vida”, vincou.

Para o músico e artesão, o facto de recuperar estas “velhas latas” é também mostrar um pouco do passado comercial e industrial de Portugal.

“Esta é também uma forma de reciclar e reutilizar antigos manteriais, que marcaram o seu tempo e que desta forma não acabaram no lixo, já que são objetos bonitos”, observou Paulo Meirinhos.

Para além da construção deste tipo de instrumento de cordas, o músico também constrói réplicas medievais como a rabeca e o rabel. Paulo Meirinhos também excuta os tradicionais pandeiros mirandeses, que têm várias formas e são introduzidos nas músicas de vários cancioneiros regionais, um pouco por toda a Península Ibérica, dadas as muitas semelhanças sonoras.

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