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Insegurança em Bambari obrigará a operação de maior envergadura

A insegurança em Bambari, na República Centro Africana (RCA), agravou-se no último mês e exigirá uma operação militar de maior envergadura caso o diálogo político não avance, defende o segundo comandante da missão da ONU, general Marco Serronha.

Em entrevista à Agência Lusa, de passagem por Lisboa antes de regressar ao quartel-general da componente militar da missão de estabilização das Nações Unidas na RCA (MINUSCA), com cerca de 11 mil efetivos, Marco Serronha alertou para “um impasse” que dura há três semanas em Bambari, com parte da população “capturada” por grupos armados e impossibilitada de fazer uma vida normal.

O general Marco Serronha, do Exército, é o único oficial português no Estado-Maior da MINUSCA, comandada pelo tenente-general Balla Keita, do Senegal, e assumiu funções como Segundo Comandante no final de setembro para um mandato de um ano.

Elementos de grupos armados quebraram um acordo para se manterem afastados de Bambari, cidade com 40 mil habitantes e economicamente atrativa, uma quebra de compromisso que representa “um retrocesso” e afeta “a credibilidade” da MINUSCA, admitiu.

“Se o diálogo político não for suficiente para libertar a cidade dos grupos armados, provavelmente vai exigir uma operação militar da MINUSCA de outra envergadura para os expulsar de dentro da cidade. É uma situação importante, de algum modo até para a credibilidade da MINUSCA”, sustentou.

“A MINUSCA vai ter de tomar uma posição, em especial porque eles estão a criar uma situação de capturar uma parte da população, que é muçulmana, que está a viver nas zonas que eles dominam, não deixam abrir o comércio, tem a população capturada”, descreveu.

Nos últimos quatro meses, a força portuguesa – 159 militares paraquedistas, sediados em Bangui – já foi projetada três vezes para Bambari, cidade a 300 km da capital, Bangui, e hoje considerada um dos locais mais problemáticos.

O que tem acontecido, observou, é que “o diálogo político não tem surtido grande efeito no último ano” e, nesse cenário, a “situação militar no terreno degrada-se”.

Elementos “bem armados, bem equipados e organizados”, os grupos armados, como a MINUSCA designa as diferentes fações em confrontos pelo domínio das explorações mineiras e outros recursos naturais da RCA, tem deixado um rasto de violência no país principalmente depois do derrube do ex-presidente François Bozizé por vários grupos juntos na designada Séléka (que significa coligação na língua franca local), o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.

A missão da ONU torna-se particularmente difícil, disse o general português, num território inóspito, com zonas em “que o Estado não existe” e onde “uma grande parte do país está sob administração dos grupos armados”.

“As forças da MINUSCA estão espalhadas por todo o território em sítios onde não há autoridades policiais ou administrativas, não há um interlocutor do Estado central fora de Bangui, tirando algumas áreas onde temos apoiado o aumento da autoridade do Estado”, frisou.

Nos pontos mais sensíveis da RCA, “o nível de violência é uma coisa em que as pessoas, se fosse possível, matavam três vezes a mesma pessoa”, enfatizou.

O desrespeito pelos direitos humanos e pela vida humana verificado na RCA reflete uma “cultura de muita violência” e até “um modo de vida” para os que nasceram nos últimos 20 a 30 anos, disse o general, que também já comandou tropas no teatro de operações do Kosovo.

A missão principal da MINUSCA é a imposição do mandato para a estabilização da RCA, “a proteção dos civis” e a criação de um ambiente estável para que o processo político, liderado pela União Africana, possa avançar, disse.

“Se começa a haver interações entre grupos armados numa mesma região, nos primeiros tempos eles começam a fazer tiros uns sobre os outros mas, mais cedo ou mais tarde, esta violência vai fazer incidir-se sobre a população afeta a um dos grupos. E é isso que eles têm feito. Depois chegam a campos de refugiados, como aconteceu em Alindao, onde puseram fogo a um campo de refugiados com 12 mil pessoas e mataram 60 pessoas, entre os quais dois padres, e queimaram duas igrejas”, descreveu.

Os conflitos não têm, contudo, motivações religiosas, frisou, observando que a religião tem sido utilizada como pretexto, “no último ano especialmente”, para “incutir ainda mais violência” entre as comunidades.

O conflito na RCA é “muito baseado na economia da guerra”, em que determinados líderes de grupos “não querem abdicar da exploração mineira, de diamantes e ouro” ou da cobrança de elevadas taxas sobre a transumância aos pastores que vêm do país vizinho Chade para venderem o gado no sul da RCA ou passarem para a República Democrática do Congo.

A missão da Minusca depara-se com “violência gratuita sobre as populações civis” e, reconheceu, “não consegue acudir a tudo”. Essa constatação obrigou a uma reformulação da missão militar da ONU, cujo modelo “está esgotado”.

Nos últimos três anos, disse, os militares da ONU espalharam-se pelo território e, com exceção da tropa especial portuguesa e de uma força de elite do Bangladesh, estão empenhados em permanência em tarefas rotineiras, com pouca mobilidade e sem capacidade de reagrupar para intervirem rapidamente em situações de conflito inesperadas.

Em 2019, a MINUSCA manterá o mesmo número de militares, 11.650, mas vai reorganizá-los. Duas novas unidades de combate já foram autorizadas, um batalhão do Nepal e outro do Ruanda, com melhor equipamento, como viaturas blindadas e mais capacidade de combate.

“Temos de centrar os nossos recursos essencial no principal eixo de crise, que atravessa quatro ou cinco localidades na RCA onde os grupos estão implantados e com ações negativas sobre a população”, defendeu.

Essa reorganização vai permitir fechar algumas bases temporárias da MINUSCA em locais hoje menos sensíveis com o objetivo de “reagrupar forças e ter alguma capacidade de intervenção e patrulhamento mais ofensivo”, esperando-se um efeito dissuasor nos dois locais mais preocupantes neste momento, Bambari e Bria.

O general Marco Serronha afirma que a MINUSCA está ciente de que nesta altura “tem uma imagem bastante degradada junto da população porque as pessoas pensam que a MINUSCA podia fazer mais” e não entendem as dificuldades da missão.

Uma das principais vulnerabilidades identificadas é a falta de meios aéreos: “De facto são poucos meios, é preciso mais meios e a questão já foi posta a Nova Iorque [Nações Unidas]”, admitiu, frisando que, do ponto de vista da mobilidade, “a geografia da RCA é um desastre” e coloca problemas logísticos.

“Um país daquela dimensão tem 100 km de estrada alcatroada, não tem mais. Tudo o resto é impraticável”, frisou o general Serronha, recordando uma situação em que uma coluna logística, com camiões, demorou um mês a percorrer os “700 ou 800 km” que distam entre Bangui (capital) e o limite sul da RCA.

“É impossível, as viaturas avariam, tombam, caem nos buracos, já não passa ninguém, depois é preciso irem viaturas de recuperação tirá-las. É muito difícil operar em termos terrestres naquele tipo de ambiente”, disse.

O conflito neste país, com o tamanho da França e uma população que é menos de metade da portuguesa (4,6 milhões), já provocou centenas de milhares de mortos, 700 mil deslocados e 570 mil refugiados, e colocou 2,5 milhões de pessoas a necessitarem de ajuda humanitária.

O governo do Presidente, Faustin-Archange Touadéra, um antigo primeiro-ministro que venceu as presidenciais de 2016, controla cerca de um quinto do território.

O resto é dividido por 18 milícias que, na sua maioria, procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.

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