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Helena Costa – A treinadora pioneira que tentou quebrar os preconceitos do futebol

Helena Costa

O dia sete de Maio do ano de 2014 constará para sempre nos livros de história do futebol mundial. Porquê? Não, o Cristiano Ronaldo não bateu nenhum record nesse dia. Mas Portugal está directamente envolvido. Foi nesse dia, do início do mês de Maio, que pela primeira vez uma mulher foi anunciada como treinadora principal de um clube profissional de futebol. O clube em causa era o Clermont Foot (da 2a Liga Francesa) e a treinadora era a portuguesa Helena Costa. Ouviu certamente esta notícia, certo? Então quase de certeza que há uns dias ouviu novamente falar da treinadora portuguesa, desta vez pelos piores motivos: Helena Costa anunciou a sua demissão do clube francês, remetendo as explicações para um futuro próximo. Pois bem, as explicações já foram dadas por intermédio de um comunicado e serva esta crónica para analisar todo este processo, desde a euforia inicial até à desilusão final.

Quando a notícia se espalhou pela internet todos pensavam ser mentira: “uma mulher a treinar um clube profissional? Não pode ser, ou é brincadeira ou engano.” E passado este espanto inicial surgiu outra questão: “Mas que clube é este afinal? Nunca ouvi falar neste clube…” Aí reside um dos pontos principais de toda esta questão: desde o início que todo o mundo percebeu que esta contratação tinha como principal objectivo dar a conhecer o clube, ou seja, era uma estratégia de marketing. Sim, estavam a fazer história. Sim, este era um passo importantíssimo para as mulheres atingirem a igualdade no desporto-rei. Mas acima de tudo isso estava a vontade de colocar o clube na imprensa francesa, portuguesa (a partir do momento em que Helena Costa é portuguesa é natural que a nossa imprensa difundisse amplamente a notícia) e na restante imprensa europeia. E a verdade é que o conseguiram. Ou seja: a primeira parte do objectivo foi, claramente, alcançada com sucesso.

Como seria de esperar as piadas sobre este tema surgiram rapidamente. “Como vai ela saber quando pode entrar no balneário? Entra de surpresa correndo o risco de ver os jogadores nús?” Este é apenas um exemplo, de entre as milhares de piadas, que todos faziam pela internet fora em redor desta questão. E se por um lado as piadas eram desrespeitosas e de um extremo mau gosto, por outro temos de reconhecer que tinham a sua piada. Até porque não estando nós, amantes do futebol, habituados a ver mulheres na alta-roda do futebol europeu (e mundial) é natural que ao início esse processo seja marcado por alguma polémica.

Mesmo sendo um clube da segunda divisão as perspectivas eram óptimas e correndo tudo pelo melhor podíamos até assistir a uma subida de divisão histórica para o clube e para o futebol mundial! Contudo infelizmente este projecto terminou antes de sequer começar.

Tudo porque esta semana Helena Costa anunciou a sua demissão do cargo de treinadora do Clermont Foot. E se alguns ficaram com um misto de tristeza e surpresa, outros estavam mais do que à espera que tal acontecesse.

E, para ser sincero, eu próprio temia que este dia chegasse mas nunca tão cedo. E porque estava eu à espera? Porque era previsível que um clube pequeno de uma segunda divisão não estivesse preparado para uma mudança destas. E essa falta de preparação foi confirmada pela própria Helena Costa no comunicado fornecido à imprensa dias depois de ter saído do clube francês.

Diz então a treinadora que “a saída deve-se principalmente ao facto do Director Desportivo contratar jogadores sem o meu acordo, para uma equipa que eu teria de liderar, e ser responsável, não me dando qualquer conhecimento, e havendo hipóteses financeiramente viáveis para outras contratações. “Isto, por si só, seria suficiente para que muitos treinadores rescindissem o contrato. Contudo esta história ainda não está toda contada: “Considerei igualmente grave o facto de ter sido informada pela última vez acerca dos jogos amigáveis prováveis, ainda sujeitos a confirmação, no dia 5/06/2014 por email. Uma vez que estavam sujeitos a confirmação, apesar de ter sido constantemente por mim questionado sobre os mesmos, o referido Director Desportivo nunca respondeu, inclusivamente até ao dia do início dos trabalhos (dia 23/06/2014). Era suposto existir um jogo amigável no dia 28/06/2014, pelo que como é compreensível a ausência destes factos interferiu directamente com a planificação do trabalho a realizar, o qual é da minha inteira responsabilidade e competência. Foi, por essa razão, comprometido.”

{loadposition inline}Ou seja, resumindo e concluindo, o Presidente e o Director Desportivo pretendiam tomar todas as decisões sem sequer consultar a treinadora devendo ela assumir as decisões como sendo dela, acarretando posteriormente as consequências. Provavelmente esta situação acontece muitas mais vezes do que seria de esperar, contudo todos reconhecemos que a mesma é inaceitável. E estando neste caso uma mulher na história acaba por, inevitavelmente, ganhar contornos de descriminação.

Helena Costa teve a determinação e a coragem que muitos homens não tiverem e não têm diariamente por essa europa fora. E dado o protagonismo que ela teve durante todo este processo é de esperar que mais cedo ou mais tarde apareça um outro clube disposto a contratá-la.

Quanto ao modesto clube francês da segunda divisão resta-nos dizer que o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Isto porque se a ideia (e a primeira fase da concretização) foi de génio devido à publicidade gratuita que deu ao clube também é verdade que com esta saída e com este comunicado de imprensa a publicidade tornou-se negativa. A imagem do clube ficou manchada para sempre pelas palavras, e acções, dos seus dirigentes.

Para a Helena endereço um forte abraço de um amante do futebol que ansiava pelo dia em que uma mulher quebrasse a barreira do preconceito. E é com incontido orgulho que vejo uma portuguesa entrar para a história do futebol mundial. O futebol só tem a ganhar com a plena integração das mulheres, esperemos que esse dia esteja para breve. Para o bem das mulheres, dos homens e da modalidade.

Boa semana.

Boas leituras.

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