Economia

Empresas negoceiam acordo com algumas das vítimas de ‘legionella’ para evitar julgamento

As empresas arguidas no processo do surto de ‘legionella’ de Vila Franca de Xira, em 2014, tentam acordo com algumas das vítimas na fase de instrução, de forma a evitar que o caso possa seguir para julgamento.

Em março de 2017, o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra as empresas Adubos de Portugal e General Electric e outros sete arguidos por responsabilidades no surto, que teve início a 07 de novembro de 2014, causou 12 mortes e infetou mais de 400 pessoas.

“As empresas visadas confirmam que existem contactos entre todos os envolvidos para uma resolução do assunto, como é comum em processos desta natureza”, refere fonte que representa as empresas, numa resposta escrita enviada à agência Lusa.

O surto de ‘legionella’ de novembro de 2014 afetou, sobretudo, as freguesias de Vialonga, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, provocou 12 mortes e infetou mais de 400 pessoas. No entanto, o MP só conseguiu apurar nexo de causalidade em 73 das pessoas afetadas e em oito das 12 vítimas mortais.

Contactado hoje pela Lusa, o presidente da Associação de Apoio às Vítimas do Surto de Legionela de Vila Franca de Xira, Joaquim Perdigoto, contou que as empresas apresentaram, durante uma reunião com advogados de vítimas, que decorreu em janeiro, num hotel daquela vila ribatejana, uma proposta de 2,5 milhões de euros, mas que contempla apenas as 73 vítimas que constam da acusação do MP e as outras 58 que, não tendo sido contabilizadas pelo MP, se constituíram assistentes no processo.

O dirigente associativo explicou que esta proposta inicial foi recusada, pois abrange apenas 131 das vítimas, defendendo que as restantes pessoas infetadas, mais de 280, também merecem ser indemnizadas.

“Muitas não se constituíram assistentes porque não tinham 204 euros para pagar a taxa no tribunal. Essas pessoas não deixam de ser vítimas”, sublinhou Joaquim Perdigoto, acrescentando que as empresas ficaram de apresentar uma nova proposta.

Desde dezembro do ano passado que o processo já se encontra no Tribunal de Loures, no qual vai decorrer a instrução, fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue e em que termos para julgamento, e que foi requerida pelos nove arguidos e por 54 ofendidos, havendo também 91 assistentes constituídos no processo.

É nesta fase instrutória que as empresas arguidas tentam a suspensão provisória do processo, em que o Ministério Público, com o acordo, obrigatório, dos arguidos e de todos os assistentes, determina, com a homologação do juiz de instrução criminal, neste caso concreto, a atribuição de indemnizações às vítimas.

Na acusação do MP, deduzida em março de 2017, são arguidos um administrador, o diretor e o supervisor do setor da produção da Adubos de Portugal (ADP).

Segundo o despacho de acusação do MP, além de João Cabral, José Carvalhinho e Eduardo Ribeiro, são também acusados neste processo quatro funcionários, todos engenheiros químicos, da General Electric (GE), empresa contratada pela ADP Fertilizantes para fiscalizar e monitorizar as torres de refrigeração.

De todos os casos notificados à Direção-Geral da Saúde, o MP só conseguiu estabelecer o nexo de causalidade em 73 situações, uma vez que nas restantes foi “inviável a recolha de amostras clínicas” ou “não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detetada nas amostras ambientais recolhidas”.

O MP sustenta que o surto de ‘legionella’ no concelho de Vila Franca de Xira foi causado pela “manifesta falta de cuidado” dos arguidos, que não cumpriram “um conjunto de regras e técnicas na conservação/manutenção” de uma das torres de refrigeração da ADP.

A ADP, a GE e os restantes sete arguidos estão acusados de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços. Os três responsáveis da ADP e os quatro funcionários da GE, Ricardo Lopes, Maria Viana, Liliana Correia e Nélio Moreira, respondem, ainda, cada um, por 20 crimes de ofensa à integridade física por negligência.

O MP relata que “todos os arguidos e cada um deles agiram com manifesta falta de cuidado, que o dever geral de previdência aconselha, porquanto omitiram ações importantes aquando da negociação, celebração e execução do contrato entre as sociedades arguidas ADP e GE”.

A procuradora do MP Helena Leitão concluiu que, caso as ações tivessem sido realizadas, “seriam determinantes para que o desenvolvimento microbiológico, nomeadamente da bactéria ‘legionella’, não tivesse ocorrido e propagado, por aerossolização, nos termos em que o foi”.

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