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“É muito injusto trocar jantarzinhos e festas por perder vidas”, diz Gustavo Carona

O médico intensivista Gustavo Carona partilhou um relato da “situação catastrófica” da pandemia em Portugal, alertando que a covid-19 “está a triturar” os profissionais de saúde.

No direto de Bruno Nogueira, ‘Como é que Bicho mexe’, o especialista em cuidados intensivos lamentou que a divulgação diária dos números associados à doença tenha “anestesiado” a sociedade.

“O que nos protegeu na primeira vaga é o mesmo motivo pelo qual estamos numa situação catastrófica agora. Tivemos um pânico que nos protegeu, lembro que muitas escolas fecharam antes do Governo decretar muitas medidas. Neste momento, as emoções das pessoas estão a dizer que se calhar isto não é tão grave, porque as pessoas estão confusas. Agora já começam a ficar mais assustadas, mas há duas semanas ainda pensavam que 500 pessoas nos cuidados intensivos não era nada de especial”, argumentou.

De acordo com Gustavo Carona, que tem feito vários testemunhos públicos do que se passa nas unidades de cuidados intensivos, foi a “ignorância coletiva e o facilitismo de comportamento” que colocaram Portugal perante “uma catástrofe nunca antes vista”.

“É importante que as pessoas vejam o que se está a passar nos hospitais, que as paredes dos hospitais sejam um bocadinho mais transparentes. Se isto fosse um vulcão em erupção ou corpos espalhados por bombas ninguém fazia perguntas nem tinha muitas dúvidas sobre o que está a acontecer, mas esta doença é muito silenciosa e irónica, difícil de compreender”, sustentou.

Explicando que pode “demorar um mês” entre o contágio e o desenvolvimento de sintomas graves, o médico intensivista condenou o “egoísmo” de parte da sociedade, por não pensar “no bem comum”.

“É muito injusto que não percebam o que está para lá dos números, que se troquem jantarzinhos e festinhas por perder vidas, por pessoas que estão a dizer adeus a avós, pais e até a filhos”, frisou.

Neste relato, Gustavo Carona falou do “sofrimento” dos profissionais de saúde que testemunham diariamente as “videochamadas” que “são o amparo” possível contra o isolamento dos doentes internados.

“O que tem de diferente desta doença é que sabemos o nome da pessoa, o clube de futebol, em que escola andou, o que fazem os netinhos, mas quando ligamos a pessoa ao ventilador vamos dizer-lhe ‘está tudo bem’ e não sabemos se é verdade. E há alguns que nem chegam ao ventilador, ficam nas enfermarias, a fazer as videochamadas para a família”, contou.

O médico referiu ainda um estudo conduzido pelo sistema de saúde britânico, “o mais antigo do mundo”, que indicou que 50 por cento dos profissionais de saúde em cuidados intensivos “estão a sofrer de stress pós-traumático”. Por comparação, entre militares que estiveram “no Iraque no Afeganistão a fugir de balas” só “cinco a seis por cento sofre de stress pós-traumático”.

“Esta doença tritura os profissionais de saúde. Estamos nisto há dez meses. No hospital onde trabalho, os cuidados intensivos estão a 250 por cento da capacidade pré-pandemia há quase quatro meses. Isto tem um limite que já está para além de ultrapassado”, completou.

A conversa terminou com Gustavo Carona a criticar os agentes políticos, à parte o candidato presidencial Vitorino Silva

“Só houve um político que disse que não faria mais campanha presencial, que foi o Tino de Rans. Isto espelha bem a mensagem dos nossos políticos, estão a dizer-nos que ainda vale fazer campanhas de rua. Percebo que a democracia é o mais importante de tudo, mas pode ser feita de outra forma”, finalizou o médico intensivista.

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