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Dívida de África subiu porque bancos concessionais não têm verbas suficientes

O economista Carlos Lopes considerou hoje à Lusa que o aumento do endividamento africano deve-se à falta de verbas das instituições financeiras multilaterais, que obrigou os países a recorrer aos mercados financeiros, mesmo com juros elevados.

“O aumento do endividamento foi muito rápido nos últimos anos, e isso tem a ver com o facto de os países africanos se terem envolvido em processo de investimentos nas infraestruturas, mas caíram os preços das matérias-primas e teve de haver um efeito de emprestar a nível comercial porque não havia suficiente dinheiro de tipo concessional”, disse à Lusa o economista da Guiné-Bissau.

Em entrevista à Lusa à margem da sua participação nos Encontros Anuais do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que decorrem esta semana em Busan, na Coreia do Sul, Carlos Lopes admitiu que o recurso aos mercados financeiros internacionais “fez o rácio da dívida sobre o PIB aumentar rapidamente nos últimos quatro anos, passando de 30 por cento para 50 por cento, e isso teve um efeito no aumento do serviço da dívida”.

Isso, vincou, “é a parte negativa”, mas para o antigo secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África, é preciso desdramatizar o aumento do nível do endividamento africano.

“Quando vamos ver a questão da dívida sobre a perspetiva global, é paradoxal que não se empreste mais a África, porque as economias duplicaram de tamanho e por isso o nível de dinheiro concessional no Banco Mundial e outros devia duplicar para satisfazer o mesmo nível de crescimento populacional, e isso não aconteceu”.

Assim, “as economias têm de recorrer a outros tipos de empréstimos porque não existe no mercado financeiro global nenhuma economia a crescer com um excedente orçamental, a não ser nalguns casos paradoxais, como o Brunei, no Golfo Pérsico, mas aí sabemos exatamente porquê”, acrescentou, referindo-se à enorme produção petrolífera deste sultanato.

Segundo Carlos Lopes, “empresta-se pouco a África concessionalmente, e por isso os países têm de ir buscar dinheiro a título comercial, e quando o fazem as taxas são extremamente elevadas, 7 por cento, é um absurdo porque o retorno do investimento é maior do que na média mundial e África devia até ter condições mais favoráveis”.

O aumento da dívida africana, que num relatório divulgado esta semana a agência de ‘rating’ S&P Global dizia estar nos mesmos níveis que motivaram, em 1996, uma intervenção concertada do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, entre outros, tem de ser enquadrada no contexto da dívida mundial, defende o historiador e especialista em desenvolvimento e planeamento estratégico.

“O total da dívida africana são cerca de 500 mil milhões, que é o mesmo nível da Dinamarca, que tem uma população de 6 milhões, e portanto isto põe as coisas em perspetiva”, argumentou, vincando que “a dívida africana vale 1,7 por cento do total mundial, o que significa que não há nenhuma possibilidade de uma disrupção sistémica, e no entanto só se fala da crise da dívida, quando o rácio da dívida dos países da OCDE sobre o PIB é de 110 por cento.

Para Carlos Lopes, “há qualquer coisa de irracional e que tem a ver com a maneira como se julga o risco e enquanto os africanos não forem capazes de fazer a sua própria fundamentação de retirada do risco, vamos continuar a ter este problema”.

O resultado, concluiu, é que África vai fazendo cedências aos investidores e isso perpetua a narrativa da crise da dívida neste continente.

“A fiscalidade dos países africanos está orientada para os compromissos internacionais, nomeadamente pagar o serviço da dívida, quando a grande reforma fiscal de que nós precisamos devia ter como objetivo aumentar os recursos domésticos nacionais para o desenvolvimento dos países, através de uma fiscalidade mais consistente, de melhor qualidade, com menos concessões para atrair investimento” argumentou.

“Da mesma maneira que dizem que temos um problema da dívida, ficamos bem classificados nos índices de atração de investimento porque damos concessões que de facto servem para [os investidores e empresas internacionais] não pagarem impostos, por isso tem de haver consistência entre as duas mensagens”, concluiu o economista na entrevista à Lusa.

A reunião dos governadores do BAD decorre esta semana na Coreia do Sul e tem como tema oficial ‘Acelerando a Industrialização de África’, e decorre num contexto de crescimento fraco no continente e de dívida pública excessiva.

Os Encontros Anuais são uma das maiores reuniões económicas sobre o continente africano, juntando chefes de Estado, acionistas de referência no setor público e privado, governadores dos 80 bancos centrais que são acionistas do BAD e académicos e parceiros para o desenvolvimento.

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