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Dia 11 do Face Oculta: um “pau mandado” e 80 mil euros de prendas

tribunal_aveiro_1Namércio Cunha, arguido no caso Face Oculta, afirmou perante o tribunal que era “um pau mandado” de Manuel Godinho, que o empresário das sucatas tinha informação “do interior” da REN e que o grupo empresaria gastava 80 mil euros por ano em prendas.

O Tribunal de Aveiro ouviu hoje Namércio Cunha, arguido no processo Face Oculta. Considerado o antigo ‘braço direito’ de Manuel Godinho, o principal arguido no caso, Namércio Cunha afirmou que era um “pau mandado” do empresário das sucatas e que se limitava a cumprir ordens.

“Fiz as coisas que me mandaram fazer. Executei. Devia essa obediência em termos de chefia, mas o que me prendia na empresa eram os desafios profissionais”, declarou o arguido, esclarecendo também o coletivo de juízes das funções que desempenhou enquanto diretor comercial da O2, a empresa detida por Manuel Godinho. Ao longo de sete anos, Namércio Cunha reportou diretamente  a Paulo Godinho, o filho mais velho do principal arguido no processo.

Durante esses sete anos, Namércio Cunha apercebeu-se que Manuel Godinho tinha acesso a informação privilegiada nos negócios com empresas públicas, corroborando a tese da acusação. O antigo diretor  comercial exemplificou com as negociações entre a O2 e a REN, aquando da segunda fase do desmantelamento da central de Alto Mira, sublinhando “a nítida sensação” de que Manuel Godinho “estava a ter informação do interior” da empresa pública.

Sem conseguir identificar quem seria essa fonte dentro da REN, Namércio Cunha acrescentou que o também arguido Paulo Penedos, filho do então presidente da empresa de redes elétricas , já prestava serviço para o grupo empresarial de Manuel Godinho. “Sabia que ele estava a ter contactos diretos  com alguém da EDP. Hoje em dia, tenho outra visão. Não tinha a perceção  do que se estava a passar com as viaturas”, respondeu o arguido, aludindo à alegada oferta dum Mercedes ao antigo administrador da EDP Imobiliária, Paiva Nunes.

Namércio Cunha informou ainda o coletivo  de juízes que as empresas lideradas por Manuel Godinho gastavam, em média, 80 mil euros por ano em presentes de Natal, um valor que desceu para metade quando surgiram as primeiras investigações. Coube ao antigo diretor  comercial “sistematizar” esta “prática habitual” para poupar “tempo e dinheiro”. Como? “Em vez de visitar lojas comprava por catálogo”.

A lista das pessoas agraciadas era classificada de AAAA a F, consoante “o valor da prenda e o tipo de destinatário”. Os destinatários eram indicados por Manuel Godinho, pelos filhos João e Paulo Godinho, pelo próprio Namércio Cunha e pelos encarregados das empresas. Nas listas apreendidas durante as investigações surgem vários nomes ligados ao PS, como o antigo primeiro-ministro José Sócrates e o antigo ministro Armando Vara.

Outros nomes constantes nas listas eram os Ana Paulo Vitorino (antiga secretária de Estado das Obras Públicas), Jorge Coelho (antigo ministro), Marques Mendes (antigo presidente do PSD) e Hermínio Loureiro (antigo secretário de Estado do Desporto). Surgem também indivíduos ligados a empresas públicas com quem o grupo de Manuel Godinho tinha relações comerciais (Refer, REN, CP, EP, EMEF, Portucel, Petrogal, Estaleiros Navais de Viana do Castelo e Lisnave) e a autarquias, às forças de segurança e aos serviços de finanças.

Os destinatários “eram pessoas que faziam parte do processo de negociação ou pessoas no terreno com quem a parte operacional tratava”, para além duma “categoria de pessoas que tem a ver com o aspeto formal, ou porque faziam parte da estrutura, ou por serem presidentes desses grupos”.

Confrontado coma  existência de duas propostas para o mesmo serviço, Namércio Cunha revelou que o coarguido  Fernando Santos, à data administrador da REN, admitiu a existência de alternativas “mais competitivas”.

Uma situação com algumas semelhanças registou-se, segundo o arguido, com um contrato para limpeza dum terreno, orçado em 300 mil euros. Namércio Cunha afirmou que Manuel Godinho mandou orçar a obra em 780 mil euros, visto que “os trabalhos teriam de ser superiores”.

A sessão foi interrompida ao final da tarde, tendo continuação prevista para amanhã de manhã, com o coletivo  de juízes a continuar a ouvir Namércio Cunha.

O julgamento do Face Oculta começou em Aveiro, após mais de dois anos de fase processual. O caso, que envolve 36 arguidos, está relacionado com alegados casos de corrupção, crimes de burla, branqueamento de capitais e tráfico de influências para favorecer Manuel Godinho em diversos concursos públicos.

Segundo o Ministério Público, o Estado terá sido lesado em cerca de 5,6 milhões de euros, em virtude de uma alegada rede tentacular.

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