A Constituição é o suporte do Estado social, defenderam, hoje, quatro constitucionalistas. Num painel de debate realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Blanco de Morais e Jorge Reis Novais abordaram a sustentabilidade de um Estado social a que o Governo pretende cortar 4000 milhões de euros. Reconhecendo que há diferenças entre o “linguajar económico” e o texto constitucional, Gomes Canotilho salientou que os direitos reconhecidos são “fundamentalmente públicos” e não “excepcionalmente públicos” como defendem alguns economistas.
Salientando que a Constituição é “um amplo catálogo de direitos económicos, sociais e culturais”, o professor catedrático salientou que há “intelectuais” que abordam as medidas do ponto de vista economicista, esquecendo a função social do Estado na geração e redistribuição da riqueza.
“Não há cidadania que pressuponha o cidadão como cliente, utente e consumidor. Basta ver quem paga impostos: são trabalhadores e pensionistas”, defendeu Gomes Canotilho. Embora reconhecendo que o Direito Constitucional deve estar atento às necessidades de racionalização de recursos, o constitucionalista sublinhou que tal não significa “estar na transição para um Estado pós-social com subversão de alguma justiça social”.
Problema de natalidade
É para evitar essa subversão da justiça social que Jorge Miranda defendeu como “indispensável” a fiscalização do Orçamento de Estado (OE) para 2013, exortando o Presidente da República a enviar o documento para o Tribunal Constitucional (TC).
O “projecto de refundação do Estado neoliberal” é um dos pontos mais criticados pelo constitucionalista, pois ameaça direitos fundamentais, como a gratuitidade do ensino obrigatório, cuja defesa de último recurso “deve ser dos tribunais, não da classe política, nem da classe dos banqueiros”.
Para Jorge Miranda, o principal defeito do Estado social em Portugal é a falta de sustentabilidade que deriva não da crise financeira, mas de um problema de natalidade.
Desigualdade menos ostensiva
Também Jorge Reis Novais sublinhou a necessidade do TC, enquanto garante dos direitos sociais como direitos fundamentais, fiscalizar o OE, lembrando o exemplo deste ano. No acórdão em que chumbou o OE para 2012, os juízes fundamentaram a decisão com a inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas, com o professor catedrático a considerar que “a desigualdade não é tão ostensiva neste Orçamento” para 2013.
O principal problema, para Jorge Reis, é que “há um grande défice de funcionamento democrático, neste momento”, e que o TC tem de saber dar as respostas que os cidadãos não encontram no quadro político atual.
Carlos Blanco de Morais também criticou a proposta de “um corte de quatro mil milhões de euros sem critério” no Estado social, pois falta-lhe “uma ideia” que o sustente. Reconhecendo que a Constituição está “hiperinflacionada” de direitos sociais, que “custam muito dinheiro”, o constitucionalista defendeu a necessidade de repensar primeiro as funções do Estado e só depois analisar as respetivas dotações financeiras.
Direitos sociais custam dinheiro, diz Blanco de Morais
O também catedrático de Direito defendeu, no entanto, que a Constituição está “hiperinflacionada” de direitos sociais, que “custam muito dinheiro”. Para o professor, houve um crescimento não sustentado do Estado Social e é necessário pensar o modelo de Estado tendo em conta os recursos financeiros disponíveis.
O modelo de gratuitidade dos ensinos básico e secundário, o poder autárquico, o ambiente, as obras públicas e “até a cultura” são funções que Blanco de Morais gostaria de ver repensadas.
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