Cinemateca mostra todo o cinema de Manoel de Oliveira, “o visível e o invisível”
A Cinemateca Portuguesa vai iniciar, este mês, a exibição integral da obra de Manoel de Oliveira, com a projeção de “Non, ou a Vã Glória de Mandar”, no dia 11, data do aniversário do realizador, indica a programação.
A mostra contempla mais de 60 filmes, entre longas e curtas-metragens, rodadas desde que Oliveira fez a sua estreia, aos 23 anos, ainda na era do cinema mudo, com o documentário “Douro, Fauna Fluvial” (1931), e vai até 2014, quando, aos 106 anos, poucos meses antes da morte, estreou “O Velho do Restelo”.
O título da integral – “O visível e o invisível” – vem de um dos filmes do cineasta. Para a Cinemateca, a expressão sintetiza a essência da sua obra, um cinema “que convida à reflexão sobre aquilo que vê e ouve, e a preencher as elipses do que não é dito e não é mostrado, do que, não podendo a imagem dar a ver, deve ocultar”.
“Há coisas que são abissais e os abismos não se podem filmar, sugerem-se”, disse Manoel de Oliveira, em 1981, no catálogo da primeira retrospetiva que a Cinemateca dedicou à sua obra.
Desta vez, tudo começa com o filme de 1990, em que a História de Portugal é “vista à luz das suas derrotas” (“Non”), sendo a ordem cronológica tomada de imediato, no dia 12, com a primeira longa-metragem de ficção, “Aniki Bóbó” (1942), e “Douro, Faina Fluvial”, “obra-prima do cinema de vanguarda”, diz a Cinemateca, que exibe a versão original, com música de Luís de Freitas Branco, e a montagem mais tardia, de 1994, em que usa as “Litanies” de Emmanuel Nunes.
O arranque do ciclo contempla primeiros documentais, como “Hulha Branca” (1932), “Portugal Já Faz Automóveis” (1938) e “Famalicão” (1940), com Vasco Santana, e prossegue ao longo do mês, até chegar a “Os Canibais” (1988), deixando para janeiro a obra mais recente.
Os filmes da chamada primeira fase do realizador são “títulos fundamentais que lançam as bases de um ‘sistema Oliveira'”, escreve a Cinemateca, recordando “O Pintor e a Cidade” (1956), primeiro filme a cor do cineasta, “Ato da Primavera” (1963) e “A Caça” (1964).
No arco temporal que culmina em “O Passado e o Presente” (1971) há longos períodos de espera, com algumas obras adiadas durante décadas, recorda o Museu do Cinema. É o caso do projeto de 1952, concretizado em 2010, em “O Estranho Caso de Angélica”. Nos primeiros 40 anos, entre curtas e longas-metragens, há menos de 20 títulos rodados, enquanto nos 40 anos seguintes, são quase 50 os produzidos.
“‘O Passado e o Presente’ inicia a segunda fase da obra de Oliveira e o seu crescente reconhecimento crítico (não isento de polémicas conhecidas), que se prolonga com ‘Benilde, ou a virgem mãe’ (1974), ‘Amor de perdição’ (1978) e ‘Francisca’ (1981), a designada ‘tetralogia dos amores frustrados’, e que traduz a relação que se estabelece daí para a frente entre cinema, literatura e teatro”, em particular com Agustina Bessa-Luis, José Régio, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, António Patrício ou Raul Brandão.
Surgem assim “O Meu Caso” (1986), “Vale Abraão” (1993), “O Convento” (1995), “Inquietude” (1998) e “A Carta” (1999), “Palavra e Utopia” (2000), “O Quinto Império” (2004), “Belle Toujours” (2006), “Singularidades de Uma Rapariga Loura” (2009) e “O Gebo e a Sombra” (2012).
Mas também há Paul Claudel (“O Sapato de Cetim”, 1985), e as referências a Dostoievsky e Nietzsche (“A Divina Comédia”, 1991), Ionesco ou Joyce (“Vou para Casa”, 2001).
Afirmam-se igualmente “os atores de Oliveira”, na construção do “mistério essencial” das personagens: Luís Miguel Cintra, Diogo Dória e Leonor Silveira, Bulle Ogier e Catherine Deneuve, John Malkovich, Michel Piccoli e Michael Lonsdale, Jeanne Moreau, Claudia Cardinale ou Marcello Mastroianni, que tem na “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997), e no papel de Oliveira, o derradeiro desempenho no cinema.
Nesta mostra, da produção de Oliveira, segundo a Cinemateca, só fica de fora a curta-metragem de 1938 “Miramar, Praia das Rosas”, por se desconhecer o seu paradeiro.
De “Os Canibais” (1988) e “O Dia do Desespero” (1992) serão usadas novas cópias, de 35mm. O documentário “O Pão” será apresentado na versão longa (1959), numa cópia recém-restaurada pelo arquivo da Cinemateca.
A retrospetiva também inclui filmes em que Oliveira participou, como “A Canção de Lisboa” (1933), de Cottinelli Telmo.
“Este programa é a primeira verdadeira ‘integral Manoel de Oliveira’ na Cinemateca”, embora também seja a quarta retrospetiva dedicada ao cineasta, alerta o Museu do Cinema, “depois de três outras necessariamente incompletas (1981, 1988 e 2008), dado que Oliveira não cessou de filmar”.
Em 2019, será publicada “uma edição alusiva” à integral.