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Caravana de migrantes no México completa dois meses

A primeira caravana de migrantes da América Central entrou há dois meses no México e um mês depois à fronteira com os Estados Unidos mas a união evidenciada é agora desafiada pelas opções para ultrapassar a última barreira: o muro.

As caravanas que trouxeram os centro-americanos, principalmente hondurenhos, foram bem sucedidas em superar as adversidades do caminho de forma coletiva. Mas a coesão do caminho esbarra num muro de ferro e de burocracia. As soluções a partir de agora são individuais, caso por caso.

A divisão do acampamento El Barretal em dois setores traduz-se como as probabilidades para cada grupo de conseguir transpor o muro.

Num primeiro setor, ficam os homens, solitários ou em grupo. Este setor, exposto à intempérie, terá menos chances de conseguir a legalidade do asilo humanitário, geralmente concedido às mulheres com crianças. Este setor também começa a sentir a pressão do inverno que se aproxima com temperaturas bem mais baixas do que as comuns na América Central.

“Temos de fugir de duas migrações, a mexicana e a dos gringos. Temos de procurar um ponto do muro em que os mexicanos não estejam”, conta à Lusa o hondurenho Raúl, de 22 anos, que pede para não ser fotografado porque “já foi deportado e agora vai pagar um coiote”.

Os coiotes são “guias” que conhecem os sinuosos caminhos pelo deserto que se esquivam às patrulhas. Esta opção será a de muitos neste setor dos homens.

Em março, Raúl fez o caminho proibido. Chegou até Dallas, onde vive um cunhado. Trabalhou de forma ilegal na construção civil. Em setembro, num controlo de rotina do trânsito, foi descoberto e enviado para as temidas “geleiras”, celas usadas pela Patrulha de Fronteira (Border Patrol), prévias à deportação.

Nas “geleiras”, não há janelas. Perde-se a noção do tempo. A luz branca durante 24 horas e o chão frio impedem o sono. A temperatura propositadamente baixa dos aparelhos de ar condicionado pressionam o imigrante ilegal à rendição, especialmente os que vêm de regiões tropicais como os centro-americanos.

“Fiquei preso por sete dias na geleira. Eu ia pedir asilo. Eles disseram-me que eu podia assinar a deportação ou tentar o asilo e esperar. Não aguentei. Os meus ossos doíam de frio. É como um congelador. Assinei”, recorda Raúl, que teve os pai e mãe mortos pelos gangues em São Pedro Sula.

Quando chegou deportado a Honduras, partia a primeira caravana em 13 de outubro exatamente da mesma São Pedro Sula, onde começou tudo, a 4.550 quilómetros de Tijuana.

“Deixei passar a primeira e vim na segunda. O que vai acontecer aqui? Só Deus vai ter misericórdia de nós”, reza.

Um segundo setor é exclusivo para famílias e casais. Embora a área seja coberta, é também praticamente fechada à luz solar. Tem-se a impressão de ser sempre de noite. A depressão da ausência de luz é um elemento de pressão psicológica para muitos.

“Mas vamos aguentar. O objetivo é os Estados Unidos. Vamos ficar aqui até que nos abram a fronteira. Não podemos voltar porque não se pode mais viver de onde viemos. A situação política é incendiária. Não há trabalho. O crime organizado domina tudo”, descreve Luis Zúniga Rodríguez, hondurenho de Porto Cortés.

Luis é eletricista e técnico em aparelhos de linha branca, mas trabalhava para sustentar os gangues que extorquem dinheiro de qualquer comerciante.

“Tinha quatro gangues que me extorquiam diariamente. Deveria pagar 250 lempiras (9 euros) diariamente a cada uma. Às vezes, eu ganhava 1.000 lempiras (36 euros) no dia. Dava apenas para pagar a extorsão e ainda tinha de pagar o meu ajudante”, relata.

Quando já não podia mais pagar, a ameaça passou a ser de morte a toda a família. Luis, então, fugiu para Tegucigalpa, a capital das Honduras.

“Mas 15 dias depois, encontraram-nos. Os gangues contactam-se. Deram ordem para nos matar. Fomos várias vezes às autoridades que nos disseram que nada podiam fazer”, resigna-se.

Desesperado, ficou a saber da primeira caravana.

“Já estávamos vendo como conseguir algum dinheiro para fugirmos. Foi quando decidimos juntar à primeira caravana”, conta.

Foram dias de caminhadas e boleias. Dias de intempérie e fome. “Houve dias em que passamos fome. Dias em que não chegou a ajuda das pessoas. Foi a primeira vez que passei fome. Às vezes, ficávamos até dois dias sem comer”, relata.

“Queremos entrar nos Estados Unidos de forma pacífica, pedindo asilo. Se não nos derem, vamos ficar no México, tentando trabalho até juntarmos dinheiro para pagar um coiote”, indica Luis.

Há três opções para cruzar o muro que os separa dos Estados Unidos. A primeira é pedir asilo. Neste caso, o setor das famílias terá mais possibilidades.

A segunda opção é contratar os serviços de um “coiote” cujos valores aumentaram com a demanda. Variam de 8 a 10 mil dólares.

A terceira opção e tornar-se uma “mula”: transportar drogas. Nesse caso, os traficantes pagam o coiote, mas, ao risco de ser preso por um delito grave, soma-se o de ser assassinado pelos traficantes no final do caminho.

Há dois meses, a primeira caravana entrava no território mexicano com cerca de 3 mil pessoas.

Da cidade hondurenha de São Pedro de Sula, tinham partido cerca de mil pessoas em 13 de outubro.

Inspirada no sucesso da primeira, uma segunda caravana partiu de Esquipulas, na Guatemala, em 21 de outubro. Nos dias seguintes, outras três partiram de El Salvador, de onde já se organiza uma sexta caravana em janeiro.

“Sabemos que se está a organizar uma nova caravana em janeiro e queremos informar sobre os riscos”, alertou a diretora-geral de Migrações de El Salvador, Evelyn Marroquín, enumerando os riscos: “Tráfico de pessoas, exploração sexual, sequestro e venda de órgãos”.

As caravanas permitiam atravessar o México são e salvos, de agentes migratórios e de criminosos.

Segundo a organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras, no ano passado, 68,3 por cento dos migrantes foram vítimas da violência durante o caminho para os Estados Unidos. Quase 1/3 das mulheres consultadas disseram ter sofrido abusos sexuais durante a viagem. Quase 40 por cento dos migrantes fogem de ataques, ameaças, extorsões ou recrutamento forçados para integrar os gangues.

A secretaria de Governo do México (Segob) informou que, em dois meses, o país já recebeu quase 10 mil migrantes centro-americanos. A Tijuana, chegaram 6 mil. Cerca de 1.100 migrantes foram presos pela Migração norte-americana, mas uma quantidade semelhante teve sucesso e conseguiu atravessar de forma ilegal.

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