Autor: João Fortes
Poucos seriam aqueles capazes de arriscar na escalada de notoriedade que o candidato republicano, Donald Trump, obteve ao longo das primárias norte-americanas. Em bom rigor se diga, que o criador da série televisa, The Simpsons, em 2000, no trecho de um dos episódios da série, predizia essa possibilidade em advento daquilo que ele considerava a visão para o futuro americano – insana e ridícula.
Volvidos dezasseis anos a profecia pode estar na iminência de se concretizar – quem imaginava a conquista deste senhor no Partido Republicano e quem diria que Hillary levaria tanto tempo para obter a nomeação pelo lado democrata?
Vivemos uma conjuntura particularmente invulgar no seio da relação entre o eleitorado e os decisores políticos, uma relação predominantemente fraturante e que se subsume na descrença e descrédito das classes políticas, gradualmente mais desgastadas e abaladas.
É notória a convergência do comum cidadão em torno de causas específicas ao invés de assuntos gerais ou de matrizes ideológico-partidárias.
O acesso à informação de modo “ilimitado”, global e rápido, permite hoje que nos possamos reunir em torno de um tema e discuti-lo, criando uma redoma de poder à volta da voz individual de cada um, fazendo acreditar numa extensão participativa e contributiva para a sociedade em geral.
Do outro lado do Atlântico, essa bandeja tem sido clara no grupo de pessoas que apoia Trump, sendo na grande generalidade preenchida por indivíduos anti-governo, que consideram que o poder instalado não resolve a sua situação particular. Sentiu-se um clima de ira e paixão constante nestas primárias… Até com demasiada retórica incisiva!
Paralelamente, assistimos muito recentemente, no continente europeu, ao referendo no Reino Unido que ditou o futuro abandono dos países que compõem esta área da União Europeia. Convém dizer que esta iniciativa foi o apanágio de um país que sempre se regozijou de um estatuto diferente sob inúmeros regimes de exceção no seio da organização europeia.
Critico totalmente e oponho-me ao contexto em que o referendo tomou lugar, tendo sido uma carta que não acertou na mesa por parte de David Cameron, líder demissionário, após o resultado obtido no referendo. Em busca da sua salvação política, prometeu, eleitoralmente, a realização desta consulta da qual não esperava uma vitória do não à permanência.
Numa campanha repleta de falácias e sem o mínimo de pedagogia, insinuaram-se fantasmas e medos que não se justificavam existir, quando o Reino Unido até é, em muitos casos, beneficiário de alguns motes utilizados pelos eurocéticos. A verdade é que a atualidade internacional, entre crises migratórias e crises económicas, desferiram este golpe a Cameron e àqueles que pretendiam continuar a pertencer à comunidade europeia… A caixa de Pandora abriu-se, resta-nos esperar pelas réplicas seguintes!
Quem congratulou este resultado foi o candidato à presidência norte-americana pelo lado Republicano, numa visita à Escócia, onde reiterou o quão importante era o Reino Unido ter recuperado o que era seu. Recordam-se quando no primeiro parágrafo referi a visão profetizada pelo criador da série – The Simpons? Uma visão insana e ridícula? Pois bem, Trump fala na Escócia para cidadãos escoceses, não tendo em conta que estes votaram maioritariamente para permanecer na União Europeia. A demagogia barata dá nestas coisas mal-amanhadas…
“Brexit” e eleições norte-americanas? Pontos em comum? Vários. O voto a favor do “Brexit” foi fortemente consubstanciado pelos mesmos impulsos que Trump tem na sua doutrina: falta de soberania nacional e ressentimento contra migrantes e refugiados. Estes certamente serão os temas que continuarão a personificar o candidato Republicano, mas a história joga contra este, pois no passado recente os EUA não têm eleito presidentes nacionalistas e hostis à imigração.
Em segundo, a eleição geral será menos sobre sentimentos e emoções e mais sobre quem apresenta a melhor visão para o país. Acredito veemente que as regras normais da política se vão aplicar e que a decisão venha a ser mais deliberada e calma, em comparação com aquela a que assistimos nas primárias.
No entanto, e finalizando, existe uma questão fundamental que devemos reter: A globalização e as tecnologias vão alterar as dinâmicas sociais dos eleitorados nas economias mais desenvolvidas, emergindo cada vez mais um sentimento de proteção daquilo que é nosso na salvaguarda dos nossos melhores interesses, com o receio que a marginalização e alienação sejam uma realidade.
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