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Arco Maior há cinco anos a socorrer jovens do Porto tem lista de espera

O Arco Maior, um projeto escolar alternativo no Porto que celebra hoje cinco anos, recebeu 240 jovens em situação de abandono escolar efetivo desde 2013, mas a lista de espera aumenta diariamente, porque está com lotação esgotada.

O rastilho para fazer nascer o projeto Arco Maior foi “ajudar jovens que estão a precisar e que pedem socorro”, recorda Isabel Lagarto, uma das fundadoras do Arco Maior e que teme afirmar que é uma “professora de tudo”, mas principalmente “o ombro amigo” e uma “fada madrinha” nos momentos difíceis das suas “princesas” e dos “príncipes”, como gosta de chamar aos seus alunos.

Pendurados por abraços à professora Isabel e a carregá-la de beijos, Rúben Silva, de 21 anos, e Ana Santos, com 18, largaram a escola oficial. Agora estão a fazer os estudos no polo mais antigo do Arco, no centro do Porto. Ambos asseguram que é a amizade e o carinho entre docentes e alunos que marcam a diferença naquele projeto e que funciona como uma espécie de “carro vassoura”, apanhando os que vão desistindo da prova, tal como acontece no ciclismo, explicou à Lusa Antero Afonso, outro dos fundadores do Arco e coordenador no polo mais antigo do Porto.

Para aqueles jovens, a maior diferença entre o Arco Maior e o ensino escolar tradicional é a “liberdade” e o “interesse” dos professores por cada aluno.

“Se estamos aqui não é porque somos deficientes mentais, nem nada. A gente apenas não conseguiu concluir a escolaridade normal (…). A diferença é naqueles dias em que estamos mais cansados, que não nos apetece estar dentro da sala e arranja-se sempre solução. Temos sempre professores para falar” e que “conhecem o nosso feitio”, conta Rúben Silva, que aprecia o “dar dois beijinhos na cara” aos professores e que garante estar a “adorar a escola”, principalmente por causa dos professores.

“Temos jovens aqui que com oito anos e 12 anos foram lançados para a rua para roubar, para pedir, porque em casa exigem que eles vão fazer-se à vida. Eles entram para mundos muito complicados da droga, do roubo e da prostituição, algumas vezes. Há meninas que já entregaram o corpo para poder levar dinheiro para casa”, conta Isabel Lagarto, confirmando que há ainda muitos alunos a pedirem ajuda e a quererem estar no Arco Maior.

Ana Santos assume que no Arco ganhou uma nova família, ganhou o carinho que não tinha na escola tradicional, ganhou motivação. Agora tomou as rédeas do seu futuro e quer ser uma cozinheira num hotel ou num restaurante.

“Já não sou a mesma pessoa, mudei. Eu era uma pessoa que se estava a borrifar para as aulas, não queria saber de nada. Aqui é diferente. Aqui os professores dão-nos motivação para trabalhar. Na outra escola – a tradicional – não fazia sentido”, desabafa.

Em cinco anos, o Arco, com três polos no Porto e um em Vila Nova de Gaia, recebeu 240 jovens e tem uma lista de espera de mais 52 alunos.

“A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens deixou de fazer-nos pedidos para receber jovens, porque estamos esgotados”, conta Antero Afonso.

Atualmente, há 15 jovens em lista de espera no polo de Bonfim, 20 a aguardar para o polo de Gaia, oito para o polo de Carvalhido e nove para o polo Infante, contabilizou Joaquim Azevedo, diretor da escola e mentor principal deste projeto escolar.

Os jovens chegam ao Arco através do “passa a palavra” de outros colegas ou pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens e tribunais, porque há menores que chegam com penas para cumprir.

“Há miúdos que andam oito anos na escola e chegam aqui sem saber ler e escrever. Descobrimos isso, porque eles se calam muito e inibem-se de trabalhar nas salas. Essa recusa tem a ver com o não saber ler nem escrever, e isso é dramático”, classifica o diretor Joaquim Azevedo.

Apesar dos dramas e da marginalidade que vivem, há um elevado número de jovens recuperados pelo Arco, assume Antero Afonso.

“Podia enumerar aqui uma vintena de casos de jovens que foi possível percecionarem uma outra forma de poderem estar e para quem o Arco foi uma oportunidade de mudança”, referiu, exemplificando “o Bruno, que fez o 9.º ano no Arco, foi para uma escola de hotelaria, fez o 12.º e nalgumas disciplinas foi considerado o melhor aluno”, “o Hugo Brandão, que era um jovem muito complicado e que hoje tem a vida completamente estabilizada, tem uma mulher com quem vive, tem um emprego estável” e “a Inês Liorne, que é uma miúda que saiu [do Arco] com um percurso de vida dificílimo e que hoje é um esteio do polo dois, trabalhando com os professores, quase como uma auxiliar de ação educativa”.

João Pedro, 20 anos, e há três no Arco, recorda que chegou a fugir de casa. Hoje encontrou ali uma nova família, novos valores e o da amizade no topo da lista. Naquele espaço, o aluno ensaiava o poema “Carta da Amizade”, de Albert Einstein, lendo em voz alta “Pode ser que um dia deixemos de nos falar/Mas enquanto houver amizade/faremos as pazes de novo”.

Os três fundadores do Arco são unânimes: o interesse, o amor e a dedicação que se dá a cada jovem em particular faz a diferença para que os alunos queiram ficar, mas há regras apertadas.

“O sistema não é de baldas. Temos um sistema muito rigoroso que eles conhecem e que eles próprios reúnem com os professores para definir as regras (…). É um modelo de muita responsabilização. Eles podem faltar seis meses, mas vão ter de andar mais seis meses para acabar”, explica Joaquim Azevedo.

Este ano, o Arco começou com 140 jovens em simultâneo, mas o início contou com 24, o número com que cada polo abre, considerando Joaquim Azevedo ser necessário “ter mais espaços”.

Admitindo que há apoio do Governo, o diretor alerta, contudo, que é necessário “crescer com qualidade”, porque para abrir mais um polo é preciso ter pessoas preparadas para acolher os jovens.

O desejo dos fundadores é que o “carro vassoura” que criaram deixe um dia de ser preciso na sociedade.

“Nós costumamos dizer que o nosso maior sonho é deixarmos de existir e o nosso maior desejo era que as escolas públicas da cidade não rejeitassem miúdos. Nós temos aqui miúdos que vão a nove escolas públicas e que são rejeitados. Porque vão ao registo biográfico e rejeitam-nas e isso é preciso denunciar. É uma coisa escabrosa que existe, que está espalhada e que é silenciada por toda a gente”, disse Antero Afonso.

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