“Talvez tenhamos errado”. Com uma curta expressão, João Luiz Ferreira, o ministro da Cultura do Brasil, deu razão aos muitos portugueses que criticam excesso de normatização do acordo ortográfico ao invés de uma harmonização das diferenças entre os vários idiomas lusófonos.
O acordo ortográfico (AO) que está em vigor continua a dar problemas: agora, ao mais alto nível.
Em Óbidos, onde participa num festival internacional de literatura (Fólio), o ministro da Cultura do Brasil, João Luiz Ferreira, admitiu que os reguladores talvez tenham “errado” na forma como acordaram o acordo.
“Acho que talvez tenhamos errado no acordo porque pensámos mais na normalização como epicentro desse processo de normatização e de fortalecimento da língua e talvez tenha havido um pouco de descuido em relação à construção desse ambiente de cooperação na área da criação”, argumentou o governante.
À conversa com a Lusa, João Luiz Ferreira reconheceu que o AO “podia ter sido feito com mais harmonização” das diferenças entre os vários países que subscreveram o documento, tanto mais que a língua portuguesa é usada num “espaço geográfico muito grande” e por “milhões de pessoas”, tendo vindo a desenvolver-se ao longo dos anos “em contextos culturais distintos”.
O que interessa, segundo o ministro brasileiro, é “resolver um problema real” e criar “uma base ortográfica comum” entre os vários países da lusofonia, pois “se permitirmos um desenvolvimento ortográfico diversificado não vamos ficar com uma única língua”.
“Para se chegar à regulação de uma língua tão complexa, tão diversa, que vive em contextos culturais tão distintos como a língua portuguesa é preciso começar pelos que se expressam na língua, pelos criadores”, insistiu o governante, e não pelos “normalizadores”.
Basta o exemplo de África, onde “em cada um dos países a língua portuguesa convive e interage com 50 ou 60 outras línguas, num processo diário de recriação da própria língua”.
Quanto ao ‘seu’ Brasil, João Luiz Ferreira lembrou que o processo de colonização foi feito “em convivência com línguas africanas, línguas indígenas e construindo um universo muito próprio”.
Por isso, continuou, o AO “precisa de compreender que essa base técnica comum tem que se desenvolver dentro dessa complexidade”, pelo que “podia ter sido feito com mais harmonização dessas diferenças”.
Com o Brasil prestes a assumir a liderança da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o ministro da Cultura manifestou confiança de que, até ao final do próximo ano, o AO possa estar implementado em todos os países, inclusive com algumas correções, “substituindo algum aspeto que tenha sido detetado e que foi utilizado de alguma forma inadequada”, até para que “a língua e ortografia possam ir evoluindo adequadamente”.
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