O Ministério da Justiça (MJ) garantiu hoje que o acordo assinado com Macau relativo à “entrega de infratores em fuga” está em “perfeita conformidade com a Constituição” portuguesa e demais “instrumentos internacionais aplicáveis”.
Esta posição do MJ foi expressa à agência Lusa após a Ordem dos Advogados (OA) ter manifestado “preocupantes reservas” quanto à legalidade penal e à constitucionalidade do acordo assinado, em 15 de maio, entre Portugal e o Governo da Região Administrativa e Especial de Macau (RAEM) sobre a “entrega de infratores em fuga”.
Segundo a OA, o acordo prevê, nomeadamente, a possibilidade de um facto que anteriormente não era considerado crime, mas que à data do pedido já o é, poder vir a fundamentar um pedido de entrega da pessoa reclamada.
Hoje, o MJ esclarece que “não é admissível a extradição, caso a conduta não constitua à data, ilícito criminal face ao ordenamento jurídico português”.
“Não é possível a extradição para Macau ou para Portugal de pessoas que tenham praticado factos que não constituíam crime à data da sua prática, por exemplo, no caso de entrar em vigor legislação que criminalize posteriormente essa conduta – tratar-se-ia de violação do princípio `nullum crimen, nulla poena sine praevia´ (não há crime, nem pena sem lei prévia), constitucionalmente consagrado.
O MJ esclarece que o acordo para entrega de infratores em fuga, entre Portugal e Macau, enquadra-se no acordo de cooperação judiciária entre a RAEM da República Popular da China e Portugal, assinado em Lisboa, em 17 de janeiro de 2001, aprovado pela resolução da Assembleia da República 19/2002.
“Previamente ao acordo de entrega de infratores em fuga outorgado entre Portugal e Macau, foi celebrado um tratado entre Portugal e a República Popular da China sobre extradição, assinado em Pequim em 31 de janeiro de 2007, já em vigor na ordem jurídica portuguesa através da resolução da Assembleia da República 31/2009. Existem neste tratado consagradas garantias que asseguram sempre o respeito pelos direitos, liberdades de garantias dos visados pela extradição. Ou seja, neste momento é possível a extradição de pessoas para a República Popular da China (RPC) e da RPC para Portugal”, afirma o MJ.
Segundo o MJ, as garantias previstas no tratado celebrado entre Portugal e a China estão também consagradas no acordo outorgado entre Portugal e Macau, na sequência “da necessária e obrigatória conformidade com a Constituição da República Portuguesa”, determinando-se que a “extradição é negada quando contrária ao direito nacional interno”, incluindo, “como é evidente” a Constituição portuguesa.
O Ministério dirigido por Francisca van Dunem lembra que, em Portugal, o processo de extradição encontra-se regulado na lei 144/99, de 31 de agosto, que aprova a lei da cooperação judiciária em matéria penal, devendo o detido ser ouvido, no prazo de 48 horas, pelo tribunal da relação competente, de acordo com a legislação processual aplicável quanto à apresentação de pedidos.
“Está ainda consagrado no acordo com Macau a regra do respeito pelo princípio da especialidade, à semelhança do consta do artigo 14.º do tratado entre Portugal e a RPC sobre extradição, que consagra que “a pessoa extraditada não pode ser perseguida por crime praticado anteriormente à extradição, nem reextraditada para país terceiro, sem autorização de Portugal”, em conformidade com a lei 144/99, de 31 de agosto, conquanto se verifiquem os pressupostos e requisitos subjacentes a esse pedido, adianta o MJ.
A Ordem dos Advogados alega que o acordo em causa consagra a possibilidade de, não obstante a consagração do princípio da especialidade, pessoas que sejam entregues a Macau venham, em momento posterior, a ser entregues à RPC, por via da norma que prevê que “as disposições do acordo não prejudicarão os arranjos de entrega de infratores em fuga entre a RAEM e outras jurisdições da RPC”.
A OA sustenta ainda que o acordo contempla a possibilidade de serem efetuadas “detenções provisórias (…) que podem colocar em causa princípios constitucionais vigentes em Portugal”.
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