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“A segunda onda só chegou mais cedo para quem estava à espera que chegasse mais tarde”

O pneumologista Filipe Froes critica a declaração do primeiro-ministro António Costa, que revelou que a segunda vaga de covid-19 chegou “mais cedo” do que todos os especialistas previam. O pneumologista alerta ainda para um cenário provável de falta de camas em cuidados intensivos.

O pneumologista Filipe Froes criticou ontem as palavras do primeiro-ministro, António Costa, que, numa entrevista à TVI, defendeu a teoria de que a segunda vaga da pandemia chegou mais cedo do que o previsto.

“Nós chegámos aqui porque desvalorizámos a pandemia, não retirámos as devidas ilações da primeira onda e não tivemos a capacidade de interpretar os primeiros sinais que foram aparecendo ao longo de agosto, setembro e no início de outubro”, realçou Filipe Froes, em declarações à SIC Notícias.

O especialista não está, por isso, surpreendido com os números da pandemia. E esta segunda vaga em outubro também não surpreende “quem está no terreno”.

“A segunda onda só chegou mais cedo para quem estava à espera que chegasse mais tarde. Para quem está no terreno, era evidente que a segunda onda chegaria à medida que a atividade era retomada”.

“O regresso de férias, por exemplo. Havia sinais evidentes que estavam a ser criadas cadeias de transmissão na comunidade que rapidamente se espalhariam e que iriam aumentar”, complementou Filipe Froes.

Para o pneumologista, “não tivemos capacidade de ler o que estava a acontecer, planeámos mal, não nos antecipámos e, agora, estamos numa segunda onda em que o outono vai a meio e o inverno ainda não chegou”.

E como “estamos no meio de uma fase ascendente”, o pneumologista faz um alerta: o número de casos “vai continuar a subir” e que o país ainda não chegou à fase crítica.

“Não estamos numa fase crítica. Isto vai continuar a subir. Estamos numa fase ascendente da segunda onda que não vamos saber como acaba.
Ainda é possível. Mas quanto mais tarde adotarmos medidas, mais tarde achatamos a curva”, alertou.

Mas o principal aviso de Filipe Froes está relacionado com a capacidade do Serviço Nacional de Saúde, em particular a disponibilidade de camas em unidades de cuidados intensivos. E contraria os números de António Costa.

“Eu e os meus colegas começamos a ter dificuldade em saber quantas camas temos. O número de camas nunca é coincidente. O gabinete de crise, que se irá reunir amanhã [hoje] e quis saber o número de camas. Eu trabalho em cuidados intensivos. Em março, tínhamos 510 camas em cuidados intensivos. À data de hoje, em Portugal Continental, para toda a população nacional, temos um número que ronda as 740 camas. Quando o primeiro-ministro referiu que temos 704 camas alocadas a covid-19, dá-me a entender que se equivocou. Não temos 700 camas vazias criadas de novo para covid”, esclareceu.

Acresce que, do total de 740 camas em unidades de cuidados intensivos, “já temos 382 ocupadas com covid”, pelo que “sobram pouco menos de 400 para todas as outras patologias”.

“A nossa reserva agora já é inferior à reserva que tínhamos antes da pandemia. Quando atingirmos as 500 camas, entraremos num cenário de pré-rutura”.

E basta atentar nos números de novos casos diários de covid-19 e na percentagem de pacientes que necessitam de internamento em unidades de cuidados intensivos para concluir que bastará uma semana para esgotar 700 camas.

“Há estudos que dizem que 2,5 por cento dos novos casos requerem cuidados intensivos. Se, numa semana, tivermos uma média diária de 4000 casos diários, por semana teremos cerca de 30 mil novos casos. E 2,5 por cento [daqueles 30 mil] representam 750. Serão necessárias por semana 750 novas camas. E essas 750 camas são a nossa reserva total de internamento em cuidados intensivos”, alertou Filipe Froes.

Analisando as mais recentes medidas do Governo, que restringiu a circulação de pessoas em particular ao fim de semana, Filipe Froes considera que não são suficientes e chegam depois do tempo.

“Avalio estas medidas como insuficientes e tardias. Estamos a tomar decisões com base nos números de hoje que refletem realidade de há três, quatro dias. As medidas devem ser tomadas no sentido de evitar o que se aproxima. Nós temos de começar a pensar em medidas para a possibilidade que já se fala de 10 mil casos diários e previsivelmente 100 óbitos por dia e provavelmente mais de 500 internamentos em cuidados intensivos. Esta situação representa uma quase rutura do Serviço Nacional de Saúde. Essa previsão é para dezembro”, explica.

Filipe Froes manifesta compreensão relativamente aos efeitos económicos das medidas de confinamento, ou de restrição de circulação. Porém, considera que a saúde é prioritária.

“Estamos numa fase exponencial, em que o fim ainda não se vê. Antes de salvarmos os restaurantes ou os hotéis, temos de salvar os portugueses, porque sem portugueses, não há atividade económica”, diz. Leia aqui.

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