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A fronteira onde se decide o destino de uma criança

Apenas dez segundos podem decidir o destino de uma criança. No aeroporto de Lisboa, a sorte está nas mãos dos homens e mulheres que controlam a fronteira e podem resgatar uma vítima de tráfico humano de anos de exploração e abuso.

Às primeiras horas da manhã, já a equipa da ‘operação Bambini’ está a postos para controlar um voo proveniente de Luanda, com 234 passageiros a bordo.

Onze são menores e é a estes que os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) estão mais atentos. O objetivo é identificar situações de fraude documental e auxílio à emigração ilegal, eventualmente ligadas a tráfico de pessoas.

“Nós somos muitas vezes, aqui na fronteira, a última hipótese destas crianças”, comenta o inspetor Mário Varela, da Unidade Antitráfico de Pessoas, um dos elementos que integra esta operação especial.

É que, como sublinha Mário Varela, uma vez passada a fronteira as crianças podem circular livremente no espaço Schengen.

“Numa situação de tráfico, se não forem detetadas aqui podem eventualmente estar perdidas para a vida”, explica.

O gigantesco Boeing 777 da companhia aérea angolana (TAAG) aterra, pontual, às 06:00.

Os passageiros vão saindo da ‘manga’ e mostram os documentos aos inspetores. Serão controlados novamente na primeira linha de fronteira – as chamadas ‘boxes’ – e se levantarem suspeitas, mesmo que ténues, serão intercetados e enviados para uma segunda linha de controlo.

As famílias que viajam com crianças são afastadas da fila. Além do controlo documental minucioso dos menores têm de responder a algumas perguntas para despistar a possibilidade de tráfico de crianças.

Mas os inspetores confiam também na sua intuição e nos sinais de alarme que a experiência faz soar: ausência de bilhete de regresso, comportamento tímido das crianças, até discrepâncias na maneira de vestir entre a criança e o adulto que a acompanha podem indiciar um possível caso de tráfico humano, declara Mário Varela à agência Lusa .

Só um dos casos, uma mulher que traz duas crianças ensonadas, coloca reservas. Chama-se Guiomar Freitas e carrega um filho bebé às costas, enrolado num pano tradicional africano. Segura outro rapazinho de tenra idade pela mão. É seu sobrinho e a mãe, Luzia, já está em Portugal, mas um atraso no visto da criança determinou que esta só pudesse seguir viagem mais tarde. A mãe, garante Guiomar, espera a criança no aeroporto.

Para desfazer as dúvidas, pois não é familiar direta de um dos menores, a passageira é encaminhada para uma sala, juntamente com as crianças, até que se comprove a veracidade dos documentos e das declarações.

Passaportes, procurações, termos de responsabilidade e documentos de viagem dos menores são passados a pente fino. Através do computador acede-se facilmente às identificações não só dos passageiros provenientes de Luanda, mas também da mãe, para apurar se se encontra de facto em Portugal e quando chegou. Tudo parece estar em ordem e só falta mesmo confirmar que a mulher se encontra no aeroporto para receber o filho.

Pouco tempo depois, a família reencontra-se, feliz.

A espera não foi longa. Meia hora bastou para triar os mais de 200 passageiros provenientes de Angola e no controlo de fronteira os inspetores estão preparados para verificar os passaportes rapidamente. Em 10 a 15 segundos conseguem detetar a olho nu adulterações que passariam facilmente despercebidas a quem não está treinado para a tarefa.

“O controlo demora segundos e há segundos para decidir. Aí reside a maior dificuldade, as situações que não são detetadas naqueles 10 ou 15 segundos eventualmente nunca serão detetadas”, considera Mário Varela.

Para Guiomar e Luzia, a ação dos inspetores é fundamental para proteger as crianças.

“Acho que é uma mais valia ter esse controlo de criança, há muito tráfico de órgãos e de crianças no mundo”, destaca Guiomar, acrescentando que gostou de “viver a experiência” do controlo fronteiriço, apesar de algum nervosismo.

“Eu sei que quando se vem com crianças o controlo é maior. Na primeira abordagem, não fiquei assustada, mas depois quando o senhor me pediu a documentação e levou os passaportes fiquei um pouco preocupada”, assume.

Luzia de Oliveira, de 35 anos, é a mãe de Edgar e também estava preparado para um controlo apertado: “Como ele [Edgar] veio acompanhado da tia, eu sabia que qualquer anomalia que se passasse precisavam da minha presença, como mãe do menor”.

Também Luzia concorda com a ação inspetiva: “[O controlo] foi bem feito e agradeço por isto”.

O SEF está focado “em especial, no controlo de crianças provenientes de determinadas origens e com determinadas rotas”.

“Paralelamente procuramos ter uma noção mais clara e precisa de qual é a realidade, qual é o volume, o perfil, as características deste tipo de fenómeno”, adiantou Mário Varela.

O responsável do SEF salientou que nesta área “há mais especulação do que informação” e que é preciso recolher informação para melhor prevenir e combater o fenómeno.

A operação Bambini envolveu oito inspetores do SEF (quatro da Unidade Anti-Tráfico de Pessoas e quatro da Direção de Fronteira de Lisboa) e um inspetor–chefe da UATP, bem como uma procuradora do Ministério Público, para acelerar a recolha de meios de prova e garantir que todos os procedimentos são cumpridos corretamente.

Decorreu entre os dias 25 e 31 de março no Aeroporto de Lisboa e desenrolou-se no âmbito do Plano de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos em vigor até 2021.

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