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Reino Unido… contra o partidarismo!

Autor: Teresa Morais

No passado dia 8 de Junho, a revolução aconteceu. Num país que nunca tinha rondado a esquerda para além de Blair, o esquerdista, altamente criticado Corbyn, saudosista de tempos mais… “aguerridos”, eleito pelo lóbi dos sindicatos, consegue uma votação histórica numa Inglaterra sedenta de líderes e de ideias. Corbyn não as tem. Não tem ideias nem tem carisma, mas aproveitou a mudança de paradigma e o desastre tecnocrata, de tiques autoritários, chamado Theresa May.

Uso a palavra revolução com consciência de que, à superfície, tudo isto parece ser só mais um falhanço das sondagens, um resultado surpreendente que, não obstante, termina com a vitória dos conservadores. Em minha opinião, este resultado é muito mais do que isso. Não é uma revolução estridente, à francesa. Os Ingleses sempre abominaram esse “nuisance” chamado agitação de massas. Mas, de mansinho, sem aviso, esta eleição traduz-se no fim do partidarismo rígido de antigamente, com suas clivagens e intransigências ideológicas. É um acordar das gerações mais novas, é um basta ao backbench conservador, que não debate, que não se actualiza, que está radiante com uma líder tecnocrata sem carisma, sem capacidade política e sem a mínima noção da realidade social britânica.

Repito: a esquerda não ganhou. Corbyn não tem norte, não tem ideias, falha nas entrevistas, une o partido com cuspo, é fraquíssimo na política mais básica, aquela que pede profissionalismo, números e coerência em vez da cassete socialista, repetida há demasiadas décadas. Dois exemplos: a deplorável entrevista ao Channel 4, em que responde sempre naquele tom blue colllar, para depois afirmar que os seus 130 k/ ano são um salário “adequado!”; a falha monumental em entrevista à BBC quanto ao custo da sua promessa eleitoral relacionada com creches. Citando o artigo do Guardian:

“When Barnett asked again for the spending figure, Corbyn said he would “give the figure in a moment”.

The presenter said: “[You are] logging into your iPad here, you’ve announced a major policy and you don’t know how much it will cost.”

“Can I give you the exact figure in a moment?” Corbyn said again. Barnett then described the Labour leader flicking through the hard copy of his manifesto and said he had received a phone call. “Can we come back to that in a moment? I want to give you an accurate figure,” he said.”

Mas a revolução não tem hora nem lugar, é assim, imprevisível. Felizes daqueles que estão no sítio certo à hora certa. E se a Corbyn foi perdoada alguma leveza esquerdista, o povo foi inflexível com May.

Devaneios Brexit e UKIP à parte, o povo britânico não perdoa quem não respeita os alicerces da democracia. Um desses alicerces é o contraditório. Não há democracia sem contraditório. Da House of Lords à House of Commons, dos Media ao Speaker’s corner, respira-se no Reino Unido o respeito pelo outro através do exercício do debate de ideias, muitas vezes barulhento, acirrado, irascível, mas sempre sagrado. Inaceitável, por isso, que May se recuse a debater, assumindo, assim, a sua falta de jeito, a falta de inspiração e a arrogância com que brindou os seus constituintes. Perante a deprimente cassete de “Strong Stable Leadership”, a cassete de Corbyn pareceu menos má para os ouvidos revoltados dos eleitores. Com a ausência da pérfida narrativa de Farage – que no Brexit se aproveitou do desastre da campanha do Labour para, pasme-se, ir à esquerda blue collar buscar votos – os votantes Labour voltaram e votaram em força. Voltaram também por via da revolta face ao desrespeito deste governo em relação ao segundo alicerce da democracia: o serviço público. Refiro-me, aqui, aos serviços de segurança, policiamento e saúde. Neste ponto, os atentados de Londres trouxeram ao de cima feridas profundas, de anos de desrespeito pela polícia, pelas secretas e pelo NHS.

Não estamos a falar apenas de cortes, de economicismo e de orçamentos. Estamos a falar do desrespeito discursivo de Jeremy Hunt, de um staff do NHS com turnos inaceitáveis e salários indignos. Estamos a falar de falta de material médico, de encerramentos de urgências, de burn out total. O NHS está com um esgotamento. Num país acostumado a um sistema público de saúde de excepção, o discurso displicente e economicista de May e Hunt, os boatos de subserviências a Trump e privatizações na área da saúde tiveram um custo bem alto.

Também em relação às forças policiais, tão profissionais e queridas entre os britânicos, o desrespeito de May enquanto Primeira-Ministra e, antes disso, nos longos anos em que ocupou o cargo de Home Secretary, é visível e criticado há largos anos. Não é por acaso que os polícias de Londres – chamados Bobbies – são a cara da cidade. Independentemente do degredar continuado das condições da profissão, estes continuaram a exercer as suas funções de forma exímia, profissional, abnegada. O povo sente isso, o eleitorado sabe que estes não podem falhar, não podem fazer greve, estão proibidos, pela importância dos cargos que ocupam, de reduzir o esforço, de abandonar quem deles depende. E, por isso, o povo castigou, nestas eleições, os que não souberam respeitar quem lhes salva as vidas.

Para além de um castigo, estas eleições marcam o fim do partidarismo. São um grito de cansaço contra a tecnocracia, um obrigar à busca de consensos e de diálogo. A esquerda não ganhou. A direita também não. Ganhou o eleitorado, que finalmente inclui os mais jovens, que rejeita euforias revivalistas de esquerda e que pune tiques economicistas de direita. Que reafirma a relevância dos direitos sociais, sem que isso se traduza numa crítica ao capitalismo. Diz o ditado que no centro é que está a virtude. Ainda a lamber as feridas de meses terríveis, os britânicos relembram-nos que no diálogo e no bom-senso é que se constrói o futuro.

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