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(Re)Erguer novos muros

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Texto: Miguel Pedro Araújo

A Europa nunca conseguiu ultrapassar os traumas existenciais do pós-guerra: a divisão geopolítica (leste, centro-norte, ilha e sul); a diferença de identidades (mais ricos e mais industrializados, menos ricos e menos produtivos); os interesses particulares (políticos, culturais ou económicos); as ideologias e os radicalismos; o permanente confronto entre a União Soviética (e agora Rússia) e o resto da Europa.

E os muros, uns reais e físicos, outros abstractos, foram uma constante nesta Europa até à queda do muro de Berlim, em novembro de 1989 (mais precisamente a 3 de novembro) e todo o seu impacto geopolítico na região centro e leste.

Numa base clara de protecção financeira e de desenvolvimento regional (BENELUX) e, um pouco mais tarde, marcadamente económica (CECA) foi implementada a Comunidade Económica Europeia (Tratado de Roma – 1957 e Tratado de Bruxelas ou ‘Tratado da Fusão’ – 1965) também ela, conforme os seus princípios, de cariz económico e comercial (quer do ponto de vista interno, quer nas relações comerciais externas). Chegámos a Maastricht, em 1992…

Há vários e longos anos, um manifesto confronto ideológico entre a política e a economia na disputa da supremacia pela prevalência sobre as dinâmicas das comunidades e da sociedade. Até hoje, nenhuma venceu e ambas perderam.

No caso da Europa (ou da União Europeia, se quisermos) apesar da preponderância económica sobre todo e qualquer valor, o resultado apresenta-se, nos dias de hoje, como a destruição do que foram as últimas três décadas (desde Maastricht, passando por Lisboa – 2009, até hoje) do sonho europeu, de uma comunidade forte financeiramente (interna e externa), desenvolvida economicamente, solidária entre si (incluindo a questão da segurança) e estruturalmente consistente do ponto de vista político e social.

O que hoje se nos depara, dia após dia, desde a crise de 2008 por força do impacto do caso Lehman Brothers, é uma União Europeia desfragmentada, à beira do colapso interno, sem fundamentação anímica que resolva dois graves problemas que abalam os seus antigos pilares ou, por força do Tratado de Lisboa, as suas competências: a sua actual fragilidade económica e financeira e que coloca em causa os alicerces da própria Moeda Única e a Zona Euro; a sua instabilidade política com o surgimento de um crescente eurocepticismo e dos radicalismos ideológicos; e a sua incapacidade para a inclusão e para a coesão social, numa notória dificuldade para promover os princípios da sua história política e social como a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

Do fracasso económico são espelho o esmagamento económico da Europa provocado pelos interesses particulares da Alemanha, com evidentes impactos em países do centro e, particularmente, do sul.

Do ponto de vista financeiro, a debilidade de todo o sistema bancário e os resgates financeiros da Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda, para além do conhecido caso da Finlândia, criaram uma fragilidade preocupante na confiança na Zona Euro e na Moeda Única.

Depois da crise dos Balcãs (resolvida pela intervenção externa – ONU e NATO, e que levou a repensar e a trazer para a agenda comunitária a política de Segurança Interna); depois de tantos processos de adesão mas sem conseguir resolver, há décadas, o “calcanhar de Aquiles” que é o processo da Turquia; depois do falhanço completo no confronto geopolítico e geoestratégico com a Rússia no conflito da Ucrânia; depois da inconsistência e incoerência das intervenções no Médio Oriente e as responsabilidades humanitárias nessa zona e no norte e centro de África; eis que a Europa sucumbe ao terrorismo e à incapacidade política e social na resolução ou no tratamento da tragédia humanitária dos Refugiados, com os impactos e danos que provoca nos fundamentalismos emergentes, nos processos de exclusão, xenofobia e racismo, na desfragmentação e instabilidade sociais, na construção de novos muros e o erguer de muitos “arames farpados”. Aliás, foi assim que se iniciou o ano de 2016: mais mortes no Mediterrâneo, o continuar da vaga de Refugiados, a continuação do conflito Sírio e do crescimento da pressão do Estado Islâmico, os acontecimentos em Colónia (Alemanha).

Há uma certeza… esta Europa não é solução, nem tem solução. Refaça-se ou faça-se reset, sob pena de muitos e novos “muros” começarem a ser erguidos.

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