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Jacobinismo 2.0

Gabriel Albuquerque

Dá-se o nome de concordata aos tratados internacionais celebrados entre a Santa Sé e um Estado, com a finalidade de conferir direitos e regular as obrigações da Igreja Católica nesse determinado País. Muitos foram assinados quando os Estados se laicizaram, como forma de garantir direitos aos católicos e assim, permitir a sua manutenção enquanto Igreja. Em Portugal, a Concordata foi parte fundamental da separação entre o Estado e a Igreja.

Nesse processo, desempenhou a importante função de salvaguardar os direitos dos praticantes e regular as relações institucionais. Este processo ocorreu na sequência do conflito entre a 1ª República e a Igreja Católica, marcado por uma violenta perseguição jacobina chefiada por Afonso Costa.

A 18 de Maio de 2004, foi assinada a atual concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, pelo primeiro-ministro em funções, Durão Barroso. Este tratado bilateral veio substituir a Concordata de 1940 e, deste modo, renovar as relações entre a Igreja Católica e Portugal. Para além disso, foi também necessário redefinir o estatuto desta religião nas relações dos cidadãos e das instituições católicas com o Estado Português. Neste tratado foram redigidos trinta e três artigos, dos quais se destaca o Artigo 26.º da Concordata de 2004, que dispõe nestes termos:

“A Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa, as dioceses e demais jurisdições eclesiásticas (…) estão isentas de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local, sobre:

  1. a) Os lugares de culto ou outros prédios ou parte deles directamente destinados à realização de fins religiosos;
  2. b) As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos;
  3. c) Os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica;
  4. d) As dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a) a c) a uso de instituições particulares de solidariedade social; (…)”.

O texto não deixa dúvidas: A Igreja Católica não paga impostos sobre a sua propriedade imobiliária. Nem mesmo um cidadão comum, sem formação jurídica, pode interpretar este texto de outra maneira. Não se compreende por isso todo este badanal em torno do pagamento do imposto municipal sobre imóveis (IMI) por parte da Igreja Católica.

Lembre-se como toda esta história começou. Na semana passada, dezenas de paróquias foram notificadas pela Autoridade Tributária para pagar o IMI. Já em 2015, as Finanças tinham notificado algumas paróquias que não pagaram o imposto. Estas responderam informado o Estado da finalidade religiosa de cada um dos seus edifícios. Contudo, este ano as mesmas paróquias foram notificadas para realizarem o dito pagamento, ao que acrescia o valor em dívida relativo ao ano passado. A lista dos imóveis tributados incluía residências paroquiais, conventos, salas de catequese e, pasme-se, até mesmo casas destinadas à obra caritativa das dioceses.

Depois de uma reunião em Fátima entre vigários-gerais e ecónomos das diferentes dioceses nacionais, a Igreja Católica veio a público pedir ao Governo que respeitasse a Concordata assinada em 2004 entre Portugal e a Santa Sé. O governo ripostou, defendendo-se nestes termos:

“O atual Governo não introduziu qualquer alteração legislativa nesta matéria, nem emitiu qualquer orientação no sentido de serem retiradas quaisquer isenções previstas na Concordata. No âmbito das suas funções, os serviços da Autoridade Tributária identificam e corrigem quaisquer eventuais isenções que estivessem a ser aplicadas sem apoio legal, desde logo em incumprimento da Concordata aprovada em 2004”.

Este comunicado, da autoria do Ministério das Finanças, foi emitido quando questionado sobre se o Governo entendia, como alguns responsáveis eclesiásticos admitiram, que se está perante uma violação do acordo de Portugal com a Santa Sé. Por outras palavras, o executivo reconhece que a Concordata continua em vigor e justifica as notificações enviadas a algumas paróquias com a necessidade de estas comprovarem os pressupostos de facto da isenção de IMI por parte de entidades religiosas.

A resposta tem tanto de hipócrita como de sofista. Não se percebe como é que depois de notificadas as paróquias para pagarem um imposto do qual estão isentas, o executivo diz que nada se passa e que não houve qualquer violação da Concordata!

Esta tentativa de dissimulação dos factos e de deturpação em praça pública das medidas do executivo é prova da forma como este governo funciona. Age pela calada e depois desmente tudo em público, como se inocentemente não se apercebesse da violação gravíssima que praticara.

Os partidos da oposição manifestaram-se de imediato. Da parte do PSD, as críticas fizeram-se ouvir pela voz do deputado Duarte Pacheco que, em declarações à agência Lusa, sustentou que o “Governo está a precisar de receitas fiscais”, mas frisou que “essas receitas têm de estar de acordo com a lei e com os tratados internacionais”. Da parte do CDS, Assunção Cristas acusou o Governo de “cegueira ideológica” e acrescentou que “a preferência pela tributação do património está a chegar longe de mais”.

No entanto, o pior de tudo isto nem é a intenção de cobrança do imposto a entidades isentas por tratado internacional. O pior é a tendenciosa perseguição religiosa que esta medida traduz. Quanto paga o PCP pela quinta da atalaia e restante património, avaliado em 13 milhões de euros? Quanto pagam os partidos políticos pelo património que têm, avaliado na globalidade em 28 milhões de euros?

Enquanto a Igreja Católica desenvolve a sua obra caritativa com base na contribuição voluntária dos fiéis, certas fundações recebem chorudos financiamentos públicos. Se o executivo quer ser justo, deixe de atacar uns e proteger outros. Se não, esta politica mais se assemelha às perseguições que uma certa esquerda jacobina sempre moveu à Igreja Católica. Será porque é a instituição em Portugal que mais ajuda os carenciados?

Seria interessante inverter os termos em que esta questão foi colocada na praça pública. E se a Igreja Católica começasse a cobrar o preço justo pelos serviços que presta à sociedade? O Governo esquece-se que as instituições religiosas são um suporte espiritual e material para o povo e poupam muito dinheiro ao Estado, realizando uma vasta obra caritativa que em muito contribui para o combate à pobreza.

Esta é a terceira medida seguida deste Governo, com o IMI no seu cerne, que coloca à prova o sentido de humor do Povo Português. Primeiro, assistimos a um anedótico reforço do quociente relativo à exposição ao sol dos imóveis no cálculo do IMI, de seguida fomos presenteados com uma desvalorização do quociente das casas com vista para uma ETAR ou cemitério e, por fim, uma violação flagrante de um tratado Internacional.

Já toda a gente percebeu que o executivo está aflito para arranjar maneira de pagar o seu despesismo. Mas há que não esquecer a lição de Cervantes: “Não existe maior loucura no mundo do que um homem entrar no desespero.” Eu diria: não existe maior loucura num país do que um Governo entrar em desespero.

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