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A carta aberta da mãe de um bebé com cancro. “Acima da pena, queríamos ser aceites”

No Dia Internacional da Criança com Cancro, deixamos aqui uma carta aberta de uma mãe que pede, “acima da pena” para “ser aceite”.

A vida de Sónia, uma mãe de 27 anos, mudou completamente em novembro do ano passado, quando o seu filho de 19 meses, Rodrigo, foi diagnosticado com linfoma linfoblastico de células T (não-Hodgkin).

Desde então, Rodrigo é submetido a tratamentos de quimioterapia. A carta aberta escrita por Sónia incide na perspetiva de quem cuida de pessoas com esta doença, uma vez que está ciente de que muitos pais se sentem “retraídos” quando vivem situações como a sua e que “a falta de partilha torna tudo mais difícil”.

Pode ler a carta aberta aqui:

“Ser-se pai ou mãe de uma criança doente oncológica ultrapassa aquilo para que fomos destinados biologicamente. Altera toda uma perspetiva de vida, altera todos os projetos e minimiza todos os outros problemas. Acima de tudo, transforma-nos, e mesmo que indiretamente, exclui-nos da sociedade. A sociedade está pronta a adaptar-se a esta realidade mas está desinformada e sem muita educação nesse sentido. Antes de ser mãe de uma criança doente oncológica não tinha um contacto próximo com o cancro infantil. O cancro infantil não é igual ao cancro de um adulto, aliás nenhum cancro é igual. Quando recebi o diagnóstico não houve tempo para existir um ‘porquê’, vieram os ‘como’. Como é que íamos ultrapassar, como é que ia ser? Porque ninguém está preparado, seja mentalmente seja financeiramente. E certamente nós não estávamos, mas depressa aprendemos que só há duas hipóteses: ou deixamos que a doença nos consuma e consuma os nossos dias ou aceitamos que temos uma missão, e a nossa missão passa a ser sobretudo ganhar tempo e dedicar tempo. Ganhar tempo e dedicá-lo ao nosso filho para que ele tenha uma oportunidade justa de ter uma vida feliz, ultrapassar isto e sobretudo ultrapassar tudo com o maior conforto possível. Deixamos de ser pais, deixamos de ser só pais. Deixei de ser só mãe, passamos a ser pais e enfermeiros. Deixei de ler simplesmente o jornal e um livro, passei a devorar toda a informação que dizia respeito ao cancro do meu filho e até ao dos outros, e passei a ter uma agenda com os nomes dos medicamentos, as doses, os exames feitos e os por fazer. Ao longo deste caminho somos educados a prestar mais atenção a este problema e aos outros. Poucos dias depois de receber o diagnóstico decidi pensar neste obstáculo como uma lição de vida porque é uma lição, independentemente se necessitamos dela ou não, se a merecemos. Há uma fase por que passei e pela qual todos os pais passam, em que se perguntam o que fizeram de mal, se têm alguma culpa, se é um ‘castigo’. É porque ainda não aceitámos e a aceitação é fundamental para chegarmos à cura. Temos de aceitar para poder acordar todos os dias com força porque eles precisam de nós. Eu aceitei porque o meu filho só tem os pais e é deles que necessita 24/7. Os pais nesta situação como nós não têm muitos apoios, por vezes resta mesmo a família e os amigos. Nós tivemos mais ajuda de pessoas inesperadas do que das mais próximas, porque este é um problema dedicado e infelizmente muitos pais decidem isolar-se e não partilham nem verbalizam as dificuldades por que passam, por vergonha ou orgulho, isso não sei. Sei que partilhei o problema do meu filho desde o primeiro dia e foi automaticamente um peso que saiu dos ombros, e fi-lo também para ajudar a educar quem está à nossa volta, porque se nós não partilhamos as dificuldades não podemos esperar que nos auxiliem. Nós somos pais como todos os outros, mas com um extra. E acima da pena, queríamos apenas ser aceites porque é um processo longo, toma conta da nossa vida, e se não tomamos cuidado é um processo solitário”.

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