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O arquiteto da Maia que a crise tornou artesão de gaitas-de-foles

Jorge Lira formou-se em arquitetura, mas um acaso fê-lo cruzar-se em 1985 com uma gaita-de-foles mirandesa, a cuja investigação e produção se dedicou a partir 1997, exportando hoje as que constrói para vários países.

Na Maia, distrito do Porto, em 25 metros quadrados de uma casa em madeira que começou por ser pavilhão de jardim depois transformado em laboratório de arquitetura, a crise fez com que em 2008 ali nascesse um espaço convertido à artesã construção de gaitas de foles.

A paixão de Jorge Lira pelo que faz surge quando empresta detalhes históricos na resposta às perguntas da Lusa, juntando-lhe o rigor possível acumulado por mais de 30 anos de investigação e que permitiram até o reconhecimento, pelo Ministério da Cultura, do estatuto de instrumento à secular gaita.

Apesar de grato pelo reconhecimento do ministério do projeto por si apresentado, Jorge Lira tem hoje um conhecimento maior da importância do instrumento, reencaminhando a conversa para novo detalhe histórico quando garante ter sido “no século XVI o instrumento mais tocado em Portugal, do Minho ao Algarve”.

E no país dos Descobrimentos, o artesão descobriu também provas de que a gaita-de-foles esteve “a bordo de quase todas as naus em quase todos os episódios” da aventura marítima portuguesa.

Durante muito anos arquiteto a tempo inteiro, Jorge Lira viu a crise alterar-lhe as prioridades e hoje, confessou à Lusa, dá “70 por cento do tempo às gaitas-de-foles e 30 por cento à arquitetura”.

Produto português, quase todos os materiais que usa são nacionais, “com a exceção de algumas madeiras adquiridas num depósito, entre elas uma fábrica de tacos de bilhar que faliu, na sua maioria madeiras exóticas, como o pau santo”.

A menção ao pau oriundo do Brasil fez nascer outro detalhe temporal, estimando Jorge Lira que essa madeira exótica que adquiriu “esteja em Portugal há mais de 100 anos, logo em perfeitas condições para ser trabalhada”.

A forma despachada com que fala das suas obras, enquadrada com uma vontade inacabada de “continuar a fazer as gaitas-de-foles enquanto se mantiver ativo”, faz o artesão da Maia piscar o olho a novos mercados, em mais um breve regresso à História.

“Antigamente, para por uma gaita-de-foles a tocar tinha de se matar um cabrito. Virava-se a pele do avesso e era o fole. Hoje já não é preciso, todas as gaitas que construo não têm proveniência animal, pelo que os vegans podem estar tranquilos”, disse, entre sorrisos.

A primeira gaita fê-la nos anos 80 do século passado e, desde há quatro anos faz entre 25 e 30 por ano, tendo exportado para os Estados Unidos, Canadá, Brasil, República da Irlanda, Itália, Espanha, França e Alemanha.

E com a conversa a chegar ao estrangeiro, quais as diferenças da gaita mirandesa para a escocesa? Jorge Lira volta à História para surpreender na resposta.

“Mesmo na Escócia estão convencidos que fomos nós, ibéricos, que levámos as gaitas-de-foles para lá. A questão é saber quando, se no período pré-romano ou se mais tarde, aquando do episódio da Armada Invencível, em 1588, [em que os espanhóis tentaram, sem sucesso, invadir a Inglaterra]”, argumentou.

Uma gaita-de-foles “demora em média vários meses a ser produzida”, sendo que Jorge Lira “faz várias ao mesmo tempo”, oscilando o seu preço final “entre os 550 euros e 850 euros”, num custo que pode “atingir os 1.500 euros”, caso sejam adicionados “detalhes estéticos”.

Aplicando no seu ateliê os conceitos de arquitetura aprendidos na faculdade, o artesão explicou à Lusa seguir a máxima de “continuar, inovando” ensinada pelo seu então professor Fernando Távola.

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